Manoel Neto Teixeira* | Garanhuns
Padre Cícero Romão Batista, considerado "O Santo do Povo Nordestino", deixou não apenas um legado muito forte para a crendice popular, um testamento que chamou a atenção, à época, até da cúpula de Igreja Católica no Vaticano, mas concebeu também, numa visão antecipadora, para o ecossistema, o que chamou de "preceitos de Padre Cícero para o meio ambiente". De muito alcance científico e atualidade, foram recomendados pelo cientista e ecólogo pernambucano Vasconcelos Sobrinho.
Cassado pelo Vaticano, em pleno desabrochar de sua atuação como missionário da Igreja Católica, não bastante, Padre Cícero continuou até a sua morte usando batina e rezando missas, abençoando beatas e fiéis que se deslocam dos estados do Nordeste em romarias para Juazeiro do Norte, no Ceará, todos os anos.
SEU CARISMA
Morto em 1934, para a crendice popular ele continua vivo, tamanha a força do seu carisma.
Mesmo cassado pelo Vaticano, sob acusações de práticas políticas pouco recomendáveis e de proteger criminosos e bandoleiros, inclusive Lampião, que tinha por ele forte respeito, o padre continuou atraindo fiéis até o dia de sua morte. Atendia assim as expectativa de milhares de fiéis, de todas as regiões, principalmente do Nordeste, os quais jamais levaram em conta a decisão do Vaticano.
Se santo ou não, o fato é que Cícero Romão Batista, recém ordenado, muito jovem, pediu e foi atendido pelo bispo da região, para iniciar seu apostolado na então pequena vila de Juazeiro, no município do Crato. Não tardou para, com visão empreendedora, transformar a pequena vila em próspera cidade, com edificações e demais instrumentos de progresso e desenvolvimento urbano, tidos como modernos, para a época. A ponto de formar forte e irresistível movimento político que culminou com a emancipação de Juazeiro, transformando-o em município.
PADIM CÍCERO
Dai foi um passo para provocar invejas e disputas políticas, naquela região do Ceará. Tanto que, os políticos do Crato fizeram duas investidas para invadir Juazeiro mas foram derrotados pelos jagunços e seguidores do "Padim Cícero".
Não apenas a corrente de fiéis e admiradores crescia a cada dia, dentro e fora do Ceará, ao mesmo tempo Padim Cícero cuidava de expandir seu imenso patrimônio imobiliário, com dezenas de fazendas, sítios, casas e outras propriedades. Durante o seu testemunho chamou a atenção de instituições diversas, enquanto cresciam os olhos de muita gente, inclusive da cúpula do Vaticano que chegou a pedir um quinhãozinho do grande patrimônio acumulado pelo santo padre do Juazeiro. E ele não se fez de rogado, tendo oferecido parte dos bens à própria Igreja, certamente pensando que, com o gesto, teria sua cassação revogada. O que não aconteceu, segundo conta o escritor Lira Neto, no livro "Padre Cícero".
Seus perseguidores políticos viam crescer cada vez mais a força do mito, em torno do qual aumentava a legião de fiéis e fanáticos com a propagação de milagres para eles concebidos através das preces e das mãos do santo padre, curando enfermos e doentes que acorriam para Juazeiro levados pela crendice popular. Em torno do qual formou-se em quase exército de jagunços e fanáticos que pegavam inclusive em armas para defesa da figura e do entorno do mito. Chegaram até derrubar o governo do Estado do Ceará, gerando um dos mais expressivos capítulos da história do Brasil, na primeira metade do século vinte.
Mas o Padim Cícero preocupava-se também com o meio ambiente. Numa visão antecipadora, sabia quão importante era e continua sendo para a vida vegetal e animal a convivência sadia e sustentável do homem com os recursos naturais. Tanto que elaborou os chamados "preceitos do Padre Cícero", propagados amplamente pelo cientista e ecólogo pernambucano Vasconcelos Sobrinho, entre outros defensores da natureza.
Os Preceitos do Padre Cícero:
01 - Não derrubar o mato nem mesmo um só pé de pau;
02 - Não toque fogo no roçado nem na caatinga;
03 - Não cace mais e deixe os bichos viverem;
04 - Não crie o boi nem o bode soltos; faça cercados e deixe o pasto descansar para se refazer;
05 - Não plante em serra acima nem faça roçado em ladeira muito em pé; deixe o mato protegendo a terra para que a água não arraste e não perca a sua riqueza;
06 - Faça uma cisterna no oitão de sua casa para guardar água da chuva;
07 - Represe os riachos de cem em cem metros, ainda que seja com pedra solta;
08 - Plante cada dia pelo menos um pé de algaroba, de caju, de sabiá ou árvore qualquer, até que o sertão todo seja uma mata só;
09 - Aprenda a tirar proveito das plantas da caatinga, como a maniçoba, a favela e a jurema; elas podem ajudar a conviver sempre com a seca;
10 - Se o sertanejo obedecer a estes preceitos, a seca vai aos poucos se acabando, o gado melhorando e o povo terá sempre o que comer;
11 - Mas, se não obedecer, dentro de pouco tempo o sertão todo vai virar um deserto só. (Manoel Neto Teixeira é jornalista e professor, é membro da Academia Olindense de Letras).
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