quinta-feira, 13 de junho de 2024

O menino de Brejão

José Cícero de Barros Pinto

Luiz Souto Dourado*

De Brejão a Garanhuns, ele viajava quase sempre de caminhão e quase sempre de favor. Ia estudar à noite no Ginásio e pensava que o estudo, como o transporte, nada lhe custava. Às vezes, voltava para dormir no sítio; às vezes dormia debaixo das marquises das lojas. Mas para ele o importante não era dormir, era estudar. E nessa rotina, dura demais para um adolescente, foi levando a vida durante anos, até que um dia, e curso concluído, apareceu na minha casa.

O padre Adelmar revelara quem era o deputado que destinava a sua verba no orçamento aos meninos pobres de Garanhuns, e cuja destinação ficava ao critério de diretor do colégio. Estava agora na minha casa para agradecer os estudos, que na verdade fora o próprio Estado que lhe proporcionara, e pedir um conselho. Queria saber do seu "protetor", que mal lhe conhecia, se entrava na SUDENE, por concurso, ou por concurso, ingressava na Polícia Militar do Estado. Diante da responsabilidade da opção, perguntei-lhe o que pretendia vir a ser. Engenheiro, respondeu. Ponderei-lhe então que na Polícia Militar uma carreira ajudava a outra, já que sua vocação coincidia com ambas e os seus conhecimentos garantiram o  caminho que melhor lhe parecesse.

Ingressou na Polícia Militar e o perdi de vista até que  numa manhã de sábado procurou-me em Boa Viagem para fazer da minha filha a sua madrinha na entrega da espada de oficial. O menino de Brejão estava agora recebendo os cumprimentos dos parentes e amigos. Agora era oficial, não mais dormia nos bancos de jardim, não mais usava o caminhão de favor, pois até aparecia dirigindo o seu carro esporte, não de playboy, mas de estudante de Engenharia.

Foi quando me fez o seu primeiro e estranho pedido: queria trabalhar de graça numa repartição especializada do Estado. Para não desapontá-lo, levei-o a um Secretário do Governo que me deu a mais desestimulante e ao mesmo tempo correta desculpa. Não era permitido a contratação de serviços sem a justa remuneração. Ficou bem comigo e com o regulamento. Um jovem futuro engenheiro praticar de graça uma  profissão que iria exercer, não era possível aqui. O jeito era  sair para Exterior, participar de congressos de sua especialidade. E ele foi a quantos foi possível ir. Na volta, aparecia para me mostrar os certificados de aproveitamento. Por outro lado, na Polícia Militar de Pernambuco, com igual esforço e tenacidade, foi fazendo a sua carreira com  regularidade e eficiência, de modo que se ainda não é maior, capitão deve ser o seu posto.

Neste fim de ano de 1975, entre tantos convites de formatura, o do menino de Brejão, José Cícero de Barros Pinto, trazido por ele próprio, foi-me particularmente honroso. O seu esforço vencendo todos os obstáculos até o recebimento do seu  diploma, foi uma caminhada: direi mesmo heroica. Começa no trecho que vai do sítio do seu pai em Brejão à margem da estrada que o levava a Garanhuns, onde concluiu o seu curso e  partiu para novas conquistas

Foi pensando no seu exemplo, engenheiro José Cícero de  Barros Pinto, que criamos a Faculdade de Administração de  Garanhuns, que ficou no papel, e mais ainda fomos a Brasília falar com Ministro da Educação para transferir para Garanhuns a Universidade Rural, problema que não ficou no papel porque esse nem papel tinha. Ficou na ideia, válida mas  sempre adiada, da interiorização do ensino superior, cuja demora vem enfraquecendo tantas vocações e, o que é mais grave, adiando o futuro de tantos jovens, como se isso fosse possível. José Cícero Pinto faleceu  no dia  20 de fevereiro de 2021 no Hospital Português no Recife

*Transcrito do livro "GARANHUNS ANO 100", publicado em 1979 por Luiz Douto Dourado, filho de Garanhuns, ex-deputado Estadual, ex-Prefeito de Garanhuns e Secretário de Justiça do 1º Governo de Miguel Arraes.

José Cícero de Barros Pinto, Coronel Barros. Natural de Brejão, nasceu em 10 de setembro de 1946. Filho de Izaías Pinto de Matos e Luíza Teles de Matos.  Em 1959 José Cícero conclui curso de alfabetização e primário na "Escola de Quedê" no Sítio Cágados, município de Brejão; Em 1963 conclui curso ginasial no Colégio Diocesano de Garanhuns; Em 1966 é aprovado no Curso de oficiais da Polícia Militar do Estado e aprovado no Colégio Universitário da Universidade Federal Rural convênio com a Sudene; Em 1969 conclui o Curso de Oficiais da Polícia Militar de Pernambuco; Em 1970 é aprovado no Curso de Engenharia Civil pela Universidade Católica de Pernambuco; Em 1975 conclui o Curso de Engenharia Civil. Em 1992 conclui Curso Superior da Polícia, na FUNDAJ. José Cícero faleceu em 19 de fevereiro de 2021 no Hospital Português em Recife.

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