Maurilo Campos Matos
À Humberto Alves de Moraes, Cidadão Honorário de Garanhuns
Um dia, num clube de campo,
Numa barraca de plástico verde
Com flores estampadas,
Um gravador reproduz
O canto dos pássaros.
No ar - perfumes sintéticos.
Nos rosto herméticos sem risos
- Só rictos. Mais nada.
O vento, ao ouvido atento,
Trará sempre a melodia
Da semente que espera
E dentro de si encerra a primavera
Que nela principia.
O homem para.
E se adentra em si mesmo
Insatisfeito com tudo que criou
E ora o rodeia.
E batendo da vida toda a areia,
Sente o brilhar de gemas preciosas.
Na síncope do medo.
Vislumbra num lampejo a eternidade.
E tenta fixar-se. E assusta-se.
Vacila. E então resvala
O olhar exteriorizado
Na mão que não detém a fuga
Do átimo passado.
A música se evola no ar narcotizado.
O vento se insinua no ouvido atento
E aguça o pensamento à melodia.
Pé descalço pisa a terra
Que fustiga o corpo inteiro.
O olhar procura o roteiro
Dos cantores fugidios
A loucura dos vazios
Vai dilatando os espaços,
Onde se entrelaçam traços
De desencontros, de acertos,
De fugas, de desconsertos,
De vitórias, de fracassos.
E se descobre liberto
Quando se vê despojado.
Liberto e também alado.
Alado e também desperto,
Buscando o caminho certo.
Com quedas e ascensões,
Segredos e confissões,
Acerbas lutas inglórias,
Vencendo sem ter vitórias
Na lutas de opiniões.
E distendendo as asas tenta o voo primeiro.
Na sede de ascensão desliza sobre a terra.
E volteando o corpo tomba e ali se aferra
Ao pó que lhe reclama o afeto derradeiro.
E então lhe dá suor e pranto verdadeiro
Que molham a semente que ali se encerra.
Depois ele nem sabe que floriu na serra
E ali onde tombou, findou seu cativeiro.
Pois se ergueu e tentou nova ascese - e caiu.
E ao cair confundiu-se com o chão - e floriu.
E ao florir se doou e se fez pensamento.
Da solidão da terra surge e agora é festa
No perfume da flor que a melodia empresta
O vento que conduz a todo ouvido atento.
Um dia, num clube de campo,
Numa barraca de plástico verde
Com flores estampadas,
Um gravador reproduz
O canto dos pássaros.
Deus queira que o milagre sempre se repita.
Garanhuns, 5 de Novembro de 1977.
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