sexta-feira, 29 de novembro de 2024

O retorno


Maurilo Campos Matos

À Humberto Alves de Moraes, Cidadão Honorário de Garanhuns

Um dia, num clube de campo,

Numa barraca de plástico verde

Com flores estampadas, 

Um gravador reproduz

O canto dos pássaros.

No ar - perfumes sintéticos.

Nos rosto herméticos sem risos

- Só rictos. Mais nada.


O vento, ao ouvido atento,

Trará sempre a melodia

Da semente que espera

E dentro de si encerra a primavera

Que nela principia.


O homem para.

E se adentra em si mesmo

Insatisfeito com tudo que criou

E ora o rodeia.

E batendo da vida toda a areia,

Sente o brilhar de gemas preciosas.

Na síncope do medo.

Vislumbra num lampejo a eternidade.

E tenta fixar-se. E assusta-se.

Vacila. E então resvala

O olhar exteriorizado

Na mão que não detém a fuga

Do átimo passado.


A música se evola no ar narcotizado.

O vento se insinua no ouvido atento

E aguça o pensamento à melodia.


Pé descalço pisa a terra

Que fustiga o corpo inteiro. 

O olhar procura o roteiro

Dos cantores fugidios

A loucura dos vazios

Vai dilatando os espaços, 

Onde se entrelaçam traços

De desencontros, de acertos,

De fugas, de desconsertos,

De vitórias, de fracassos.


E se descobre liberto

Quando se vê despojado.

Liberto e também alado.

Alado e também desperto,

Buscando o caminho certo.

Com quedas e ascensões,

Segredos e confissões,

Acerbas lutas inglórias,

Vencendo sem ter vitórias

Na lutas de opiniões.


E distendendo as asas tenta o voo primeiro.

Na sede de ascensão desliza sobre a terra.

E volteando o corpo tomba e ali se aferra

Ao pó que lhe reclama o afeto derradeiro.


E então lhe dá suor e pranto verdadeiro

Que molham a semente que ali se encerra. 

Depois ele  nem sabe que floriu na serra

E ali onde tombou, findou seu cativeiro.


Pois se ergueu e tentou nova ascese - e caiu.

E ao cair confundiu-se com o chão - e floriu.

E ao florir se doou e se fez pensamento.


Da solidão da terra surge e agora é festa

No perfume da flor que a melodia empresta

O vento que conduz a todo ouvido atento.


Um dia, num clube de campo,

Numa barraca de plástico verde

Com flores estampadas,

Um gravador reproduz

O canto dos pássaros.

Deus queira que o milagre sempre se repita.

Garanhuns, 5 de Novembro de 1977.

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