quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Valeu, Dona Eliza!

José Alexandre Saraiva

José Alexandre Saraiva*

Bendito Alexandre, o seu Dido, era agricultor no agreste pernambucano e fazedor de queijo de manteiga do bom. Pé de valsa e  rapazola famoso por seus voos noturnos, tinha o apelido de Bacurau, nome de um pássaro notívago. Antes de seus galanteios com a dona Eliza Mendes Saraiva, minha mãe, ele foi além da cerca da casa de outra donzela. Preso, obrigou-se, conforme a praxe, a casar-se no civil - conditio sine qua non para sair da cadeia. O cartório foi cercado de punhais e de peixeiras nas cintas dos parentes da nubente. Após a cerimônia, ela saiu pela porta da frente e ele, que não era besta, pela dos fundos. Nunca mais se viram aqui na terra.

Seu Dido viveu toda a vida com dona Eliza. O casal teve quatro filhos: Cícero, Fátima, Risomar e eu, o mais velho. Quando seu Dido morreu, a "viúva-meeira oficial" montou num jegue com esporas, andou léguas na caatinga e, no dia seguinte ao do enterro, compareceu ao cartório para receber a metade do sítio "Rancho Velho", torrão que me viu nascer, ofertando-se para meus passos iniciais de lavrador. O sítio é bem menor do que o de Raul Seixas no Sertão de Pirituba, no entanto é bem mais doce.

Dona Eliza, uma flor em canção, indignada com a avareza da rival, teve que optar entre trucidar a forasteira ou vender um cavalo baixeiro, três jumentos, uma safra de jabuticaba e duzentas sacas de castanha de  caju para despachar a "meeira". Prevaleceu a segunda opção. No ano seguinte, depois de inclemente seca, dona Eliza encarou um pau-de-arara e nos levou para o Rio de Janeiro, onde cada um de nós fez de tudo um pouco para sobreviver. Na mesma semana da nossa chegada, ela me pegou pelo braço e peregrinou de loja em loja pela Tijuca perguntando: "Senhor, tem um trabalho para este menino aqui?" Termina o dia quando o  dono de uma farmácia respondeu: "Oxente, só se for agora!" Missão cumprida, em 1992 dona Eliza recebeu um chamado e seguiu o caminho do céu.

Valeu, dona Eliza!

*José Alexandre Saraiva, nasceu em Panelas, interior de Pernambuco, é advogado, jornalista, músico e escritor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O político e as raízes de Souto Filho

Gerusa Souto Malheiros* Do poder, meu pai não sentiu jamais o desvario, nem o considerou um bem de raiz. Da sua tolerância, da moderação e d...