sábado, 19 de agosto de 2023

Revelações - Parte XX


Luzinette Laporte de Carvalho*

Deixo-me arrastar pela minha distância, mas  torno-me / faço-me bem próxima. O certo é que estou cansada de tanto conflito. Há muito que andar. tanto caminho a fazer. Não devo dizer que  estou cansada de errar. Porque sempre recomeço. E este recomeçar é um clamor de pura alegria. Um grito de música e luz do ser. A única verdadeira beleza da vida. Tento o que é superior. A sensatez minha e por  unanimidade: recomeço. Aqui reside minha força maior. Só quero iludir-me ou iludir-te. Minha verdade é este constante recomeçar e este afastar-me.

Tudo isto pode parecer(-te) um caos, sei. É porém, minha revelação, meu mistério. O diálogo-monólogo mais genuíno, no caminho dos acertos.

Todos os sinais clamam boas-vindas e mim. Apontam-me com (invisíveis) gestos de indicação: Por aqui! Por aqui! Claros, perceptíveis, captáveis. Eu os  vejo, ouço. Por que não os outros? (Tu) Por quê? Tão óbvios são: coisas, objetos, gente. Tudo: pranto, riso, sorriso leve, assobios, vento, rosto desconhecido, o amigo, o irmão, as pessoas que nos aceitam e as que não nos aceitam. Sinais. São os sinais.

Tão óbvios são que poucos os observam ou os  descobrem. Não se dá atenção ao óbvio. Não vemos nosso próprio rosto. Desconhecemos em nós o que os  outros mais conhecem de nós: nossa face física. No espelho parecemos estranhos: quem é esta? Que fisionomia é esta que me olha gravemente, curiosamente, sob a túnica da carne?

Arrasta-me a minha distância em ritmo de alegria. Somos seres de dor e de amor feitos. Isto nos bastaria para sermos amantes graves, grandes. Porque o amor, ou é total ou nada. Como crer na integridade, no total, o dividido e jamais doado? Em medo / luta / demanda / dúvida envolvido, quando lhe toca o amor, nasce a angústia. O medo de perder o já perdido. Quando o  encontra, fere-o. Que conhece do íntimo e da alma o que  rompe o anel da fidelidade? Tocou e viu apenas o  invólucro. Quem mais no vasto mundo pode crer nesta  distância minha, tão distante que me perco a arrastá-la, arrastada?

Usamos os métodos que temos. Rudimentares, ineficazes, inadequados. Capazes de separar, jamais de  unir. Provamos a espessura dos meios tão inúteis. Insistimos em caminhos que não seguem, seguimos trilhas que não vão. Nunca nos levarão à nossa própria abissal distância, única região que nos  convém e nos faz chegar e encontrar o que buscamos.

Teimamos em prazer, perdemos em alegria. Por  toda parte os sinais.

Minha estrela ficou partida no ar, sangrando luz e fogo. Sinal maior ardendo em mim. Estrela da qual conheci quatro vértices. Os extremos. Menos o último. Conheci até o quarto raio: o quarto vértice da estrela.

O quinto, aquela que me transfixaria nela-mesma e  me arrastaria a regiões cada vez mais estranhas e longínquas - não tanto quanto a minha própria distância - eu não o atingirei. Permanecerá como o sol.

Quem dele pode aproximar-se, sem destruir-se? Quatro vértices / vórtices conheço: o quinto, tu o transformasse em terreno defenso.

Os quatro me deram visão nova do homem, da vida, de mim-mesma, da ilusão, da realidade. O quinto: interditado: jamais o conhecerei.

Mesmo assim, com a estrela incompleta, partida, já atingi o além-de todos os horizontes. No infinito da minha  distância infinita, ultrapassei os horizontes todos, conheci abismos / tempestades / verões / primaveras / invernos / outonos e outras numerosas estações desconhecidas.

Deixaste-me- sem o querer - fixada ao quarto vértice da minha estrela. Estou nela, cativa. Não me  deixaste chegar - jamais - ao quinto.

Aqui estou. Não imobilizada. Caminhante. Sempre. Abrindo - recomeçando - caminhos infinitos por onde bailo minha dor e soluço minha alegria. Sempre arrastada pela minha distância.

*Professora e escritora / Garanhuns, PE - 2000.

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