sábado, 19 de agosto de 2023

Revelações - Parte XIII


Luzinette Laporte de Carvalho*

Ele se tece em mim. Está-se tecendo sem que  eu sabia como. Tenho que adivinhá-lo e eu te juro que adivinho, pois que o amo. Ele o sabe e por isso me ama também. Sentimo-nos bem um com o outro.

Carrego um segredo: mistério e desnudamento. Carrego-o como a noite porta a aurora em suas mãos de trevas. carrego o amanhã: o futuro. O presente. O passado. Carrego um tesouro que só eu conheço, do  qual só eu sei. Tanto que se quisesse, tu não o saberias nunca, tu, que mo fizeste. Tu, inconsciente de quando deixaste em mim teu pedaço de ti. Vive em mim um filho. Teu. Meu. Posso tomar nas minhas mãos meu ventre que principia a intumescer. Não posso, no entanto, conter a alma. Ela se desborda: onda de  doçura-violência. Violência-ternura. Maior que o universo. Um homem. Será. É um homem, teu filho. Sei. Sinto. É homem. Já existe mais um homem sobre a face da terra.

Durante nove meses serei terra-nutriz: morada,  tabernáculo. Ardo toda em ternura-fogo. Desfaço-me em  ternura-mel.

Quando soube, quando senti, amado, o azul dos  horizontes arderam em chamas. (Minha natureza é fogo. E mel. Meu ser mais íntimo, tu o sabes). O nome grávida me arrasta. "Amor meus pondus meum." Imerge-me em ternura. Há um homem em mim. tem já programado todo seu ser físico e psíquico. O mais importante, porém é que, todo ele, é uma composição de amor. Sinfonia e acalanto. O importante é que ele nasce em mim, de ti.

Emudeces e me olhas. Tua mão toma a minha. Teu olhar se emudece... Tudo isso é um poema que ninguém poderá compor em palavras. Eu te vejo e te amo. E o vejo, sabe? Eu o vejo. Vou plasmá-lo igual a ti. Obrigarei às espirais do DNA a registrar nele teu rosto, teu corpo. E eu-mesma lhe ensinarei tua alma.

Ele há de ouvir o proclama: eu vim trazer fogo à terra e o que quero senão que ele arda? Arderá. Será mel. Pois disso está sendo ele tecido. Ele  já é. Nas espirais intangíveis e simbólicas, ajudarei a  plasmar o teu / meu filho. Ele já faz os primeiros movimentos. Pousa tua mão no meu ventre. Sonhemos "ele". Fecho, à luz do entardecer, meus olhos. Sinto-te - na tua mão em mim.

Sabes, meu amor, estou sonhosa. Parece que não piso terra sob os pés. Este peso de amor, este corpo volumoso, não sinto senão como acréscimo de vida. Sou capaz de carregar a vida em mim. Senti-la desenvolver-se.

Mas tenho medo. Amor. Medo de entregá-lo a um  mundo hostil de luta e violência. De sombras de mentira e  medo. De opressão e miséria. Ele há de sofrer, bem sei. E ninguém poderá impedi-lo de beber do cálice do qual todos bebem, até às fezes.

Conhecerá a dor de amar até o impossível. A dor de não se poder ser perpetuamente um . Morrerá mil mortes de tortura íntima nas  interrogações sem resposta. Da vida. Da inteligência. Da alma. Sofrer tanto que nada mais reste senão o jeito sufocado da angústia. tenho medo de o expor ao bem e ao mal. E o deixar livre para o  absoluto da liberdade.

Terei que lhe apontar os roteiros mais difíceis do  que os verdadeiros. E deixá-lo, sozinho, atravessar as  hiantes gargantas do prazer falaz. Eu, com o coração nas mãos, os olhos ardendo em lágrimas contidas e a voz sufocada de soluções que jamais serão ouvidas. Terei. Teremos que deixá-lo  or, pois deverá aprender sua  própria vida. A lição da vida. As lições, para que se faça forte e feliz. E cresça em graça e sabedoria diante de  Deus e diante dos homens.

O único que poderei fazer por ele é acompanhá-lo com o coração. Haverá o caminho largo e fácil, em declive. E o outro, áspero e íngreme, em ascendente. Um  que resvala. Outro que ascende. E além, bem além da  sua alma, a ilha.

Eu lhe direi: quero que saibas; há uma ilha de nácar e coral. De areias brancas e praias largas de coqueiros. E gaivotas. Há uma ilha onde tudo é paz. Onde se pode  repousar de todas as litas, de todas as dores, porém onde ninguém pode se destacar da dor. Eu te ensinarei a rota, e, sempre que o quiseres, poderás chegar a ela. Sempre que o desejes. Eu te direi como deverás agir,  para essa viagem sempre nova, sempre reconquistada,  sempre procurada..

Tua  mão na minha, amado, é a carícia primeira e maior: o amparo, a força, a proteção. O máximo gesto de ternura. A criança estremece de alegria no meu seio, porque sou invadida de ti, alagada de amor. Teu filho já conhece o toque de tua mão na minha. Sente que me liquefaço de doçura. E sabe que essa doçura é tecida no seu ser.

De pálpebras cerradas contenho-me no amor. Ou antes, me expando no amor. Ser mãe... ser mãe... Assim: segura do amor que te gerou em mim, como vida de  amor, De outra forma, como te sentirias - indefeso que és, meu filho - ao romper o invólucro de segurança e te lançares ao mundo?

Aqui está teu pai, o que te semeou em mim. Ele é o que lançou a semente. Vê: ele dorme. E enquanto dorme, a semente brota e cresce sem que ele o perceba. Pois a terra por si mesma produz primeiro a planta, depois a espiga e por último o grão abundante na espiga.

*Professora e escritora / Garanhuns, PE - 2000.

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