sábado, 19 de agosto de 2023

Revelações - Parte XII


Luzinette Laporte de Carvalho*

Há em mim tua imagem esbatida, mas bem clara. Tua pessoa está em mim, infinitamente, está em mim, compreendes? Daí fazer-te tantas revelações.

Quanto mais presente em mim estás, mais sou eu-mesma-livre. Absolutamente não há terreno de  reivindicações exclusivas, senão a exclusividade que eu  te quero dar. Porém, como imaginas que há espaços invadidos, quero dizer-te: amor.  Palavra de força, de total abandono  e entrega. Alegria: palavra de convite, de  aceitação. Dor: palavra de vida, de confissão. Paz:  conforto e ternura. Silêncio: comunicação e comunhão. Não tenho outras palavras. Luz (?): revelação e mistério. E agora, apenas a Palavra. Ela te falará - como a mim - no silêncio. Toda a humanidade nela se encontra. Sou síntese da humanidade, da história e da pré-história.

Há um tempo do desconhecido humano, em cada  homem. É esta zona do desconhecido que cria a  angústia, a busca, a insatisfação, o medo, a ousadia, a  descoberta, o erro, o acerto, a indecisão. Tudo o que impele o homem nos seus primeiros princípios. Passos de desbravador da vida.

Dessa zona do desconhecido, pré-história de cada um de nós, nascem também todas as dificuldades da  da comunicação: a raiva da impotência, o ciúme, a  desconfiança. o desencanto a (im)possibilidade, a  mentira, a crítica negativa, a imaginação dos males inexistentes: o inferno.

Mas, é ainda esta zona do desconhecido que gera a paz. A qual realiza a comunicação mais profunda, a busca do saber comum, a consciência da própria limitação, a percepção de que  nos desconhecemos, de  onde viemos geneticamente, que forças e fraquezas nos  habitam, que paragens de céu e de inferno, que núcleos de fogo e de gelo, que visões de mentira e verdade.

Ousemos entrar mutuamente em nossa realidade. Que sabemos do nosso DNA? Dessa espiral primeira, quando fomos tecidos no seio de nossa mãe? Onde todos os dias de nossa vida já estavam inscritos, antes mesmo que viéssemos à luz. Onde já estava programada nossa estatura, cor da pela, cabelos, olhos. Ali, onde começamos a ser, a existir. Gênese perfeita.

Alguém há que conhece essa gêneses. Sabe a palavra antes que a nossa boca a pronuncie. E nos deixa livres: para renegá-lo, aceitá-lo, cairmos. Eis nossa terrível condição: a liberdade: nossa dignidade, grandeza, miséria.

Vem comigo, uma vez que ousas duvidar. Tira as sandálias que o terreno é sagrado. Cinge os rins como um homem. Segura minha mão livre. (A outra está na  dEle).

Também estou vestida para a viagem. Tenho os pés nus, parar pisar no solo sagrado. Oxalá encontremos a sarça ardendo. (Como sou humana! Pois se tenho minha mão na dEle, como não irmos direto à sarça!).

Só poderei saber se anuíste, se me tomas a mão. Então , vamos. Ao desconhecido mundo do que somos.

Sinto que Ele me solta a mão, mas  me diz que  que devo prosseguir. Resta-me a tua. Devo guiar-te. Não tu a mim. És a força, a caminhada. Eu, o mapa, o roteiro, o caminho para dentro de nós: terreno ínvio, absolutamente desconhecido. teremos que atravessar o tenebroso-luminoso desconhecido de nós-mesmos, para desvendar o que se oculta sob a túnica da carne.

Fomos advertidos de que a viagem, uma vez encetada, não terá fim, senão no fim.

Haverá quedas, chagas nos joelhos e nas mãos. Desfalecimentos. Pés feridos muitas vezes. Dor, sede, frio, calor abrasante.

Ao nos adentrarmos, já sentiste tudo isto, e sentiste crescer a solidão, o silêncio e a treva.

Nas quedas, por vezes, nossas mãos se desprendem uma da outra. Mas o amor refaz o contato, tateamos nas trevas e nos reencontramos.

Vez por outra, o clarão da sarça, lá adiante, nos  revigora corpo e alma. Repousamos.

Temos de recomeçar, pois nossa metas é a sarça e  a sua mensagem, que nos revelará o mistério de nós-mesmos. A caminho!

Agora, tempo de canções. A época dos frutos se  anuncia. Poderemos repousar à margem do regato, colher flores e frutos. Eu colherei flores? O mel do rochedo? Tu, a flor do trigo e os frutos.

Recobremos força. Tudo é paz em torno de nós, dentro de nós. Saímos um pouco da nossa região tenebrosa: é Ele que realiza esta maravilha: o milagre de nos descobrirmos novas zonas de beleza e paz. Aqui, é o desconhecido.

Mas fomos solicitados para muito mais que isto. Põe tua mão esquerda sob minha cabeça e, com a tua  direita, abraça-me.

*Escritora e professora / Garanhuns, PE - 2000.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Casas comerciais: 10 Portas, atrativa e Brasil Chic

Estes nomes pitorescos de algumas casas comerciais do meu tempo, todas elas situadas na Rua Santo Antônio, a principal de nossa cidade, e on...