sábado, 19 de agosto de 2023

Revelações - Parte X


Luzinette Laporte de Carvalho (foto)*

Não há longo adeus. Não há rápido adeus. Há  adeus, apenas. E isto custa. Adeus é adeus. Algo que arranca da gente, pessoas que são. Que nos acrescentam coisas que não eram.  Perda e  ganho. Sensação de perda e de futuro. Não há sensação pior: a de futuro. Que não é nunca. Fica diante de nós: máscara inexpressiva, insondável. Esfinge. Incógnita. Ladra do momento que é. Sempre adiante. Sortilégio do  tempo. Rede. Engodo. Engano. Futuro. Que jamais é.

Essas mãos que tomam as minhas e me consolam. Mãos que trazem carinhos, depois partem, se vão. Mas ficam em minhas mãos dizendo coisas, numa ternura doce e repousante. Nas minhas mãos vazias, inertes. Sobre o colo.

E há essa voz que me sussurra coisas que nunca ouvi. Que não sei, portanto, repetir. É uma linguagem de amor que se comunica pura. O amor sete vezes purificando, como o ouro.

Há o olhar também. Não só os olhos, mas o olhar longo e permanente. Visão, presença dentro de mim. Olhos que chamam do seu silêncio líquido.

Quem sou para dizer tudo? Só posso revelar o que sei. E o que senti. Essa coisa sem nome que é o sentir. Tão desolante como o deserto sem mais nada que o deserto. Porém repousante também, porque belo.

O adeus cobre-me alma, coração, mente, tudo. Arde-me o ser inteiro sob o foco e o gelo do adeus. A dor  gelada, a dor que arde em gelo, é estática, firme, dura. Tem arestas rígidas, brilhantes e queimantes. A dor que arde em fogo, é cinemática. Move-se, baila e pode se alastrar. (O fogo é fluido como a água, talvez por isso lutam e uma vence o outro). A dor de fogo tem arestas leves que mudam de momento a momento a fisionomia da alma, no seu balé luminoso e colorido.

Eu te confesso que prefiro esta última. Porque as muitas águas não a podem apagar. O gelo se funde ao sol, ao fogo, ao calor positivo - pois ele é negativo. E o  coração do homem, congelado, parte-se. E deixa fluir o conteúdo inteiro até à morte.

Quanto à dor de fogo, é forte como a morte. Tenaz como o inferno.

Eu era bem criança quando senti o adeus. Tão criança que apenas sorri. Somente quando me levaram a ver a face infantil da qual me despedia(m) é que me  fiz séria e grave, porque havia solenidade no rosto que me  fugia, sem mais sorri-me. Na minha extrema infância, como hoje, eu já era capaz de compreender o solene e o grave.

A dor forte do homem que soluçava baixinho bastou para sustar meu sorriso infantil. Olhava-o. Só existimos nós, no mundo inteiro. Ainda hoje ele soluça em mim. Ou melhor, ele vive. Porque soluça, canta, sorri, conversa, reza, brinca. Ele vive em mim. A isto chamo adeus. Algo que vai embora, e no entanto fica. Profundamente fica.

A gente continua a mesma + o adeus. Um somatório. Aparentemente, operação simples. Percebo o  adeus, sem conseguir dizê-lo. Mais que acento. Menos que palavra. Separação? Como separação, se quem vai fica, tiranizando pela ausência o que ficou?

De repente, não cataliso mais minhas ideias: fogem e mergulham num sorvedouro. Aonde não consigo chegar. Então, paro e fecho os olhos.  (Intimamente, pois os tenho bem abertos para aquele ipê todo em ouro, contra o azul do verão). Fecho os olhos do meu íntimo, para não seguir a vertigem do abismo das ideias. São numerosas e partem de pontos e partes tão diversas e  múltiplas, que estanco. E aguardo. Adeus. Adeus. Adeus.

Adeuses me acenam, mãos, lágrimas. olhares, sorrisos. Guardo-os em mim. Há palavras murmuradas de  mansinho, leves beijos, sobre meus lábios surpreendidos.

Sinto-me feita de "flashes". Por isso, iluminada. E como há zonas de trevas em mim, meu lado tenebroso pode ser vislumbrado sob estas luzes de relâmpagos, terríveis trovoadas, pesadas chuvas de verão.

O mais belo dos adeuses: aquele inesperado leve beijo no último momento. E não mais te vi. Não mais. O beijo mais leve, o toque mais leve, o gesto mais leve, penetra mais profundamente, vai ao âmago, perturba mais. Solicita mais que a mão crispada, a boca exigente e violenta.

A permanência forte do leve beijo do adeus, ardendo. Queimando a alma inteira. Semente de fogo sob supostas cinzas.

Escritora e professora / Garanhuns, PE - 2000.

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