Uma doutrina se caracteriza pela defesa de normas e princípios, apresentando-se como um sistema na sustentação disciplinada, ordenada de seus fundamentos. Estas regras, numa aceitação geral, são recebidas como preceitos doutrinários, porque se fincam quais marcos identificadores desta ou daquela corrente de pensamento. Assim, podemos ter uma doutrina social, política, jurídica, econômica ou espiritualista, visto cada uma delas trazer um conjunto harmônico daquelas leis que se implantam quais suportes de sua própria razão de ser. Por conta destes postulados, ditos necessário, essenciais, esta ou aquela escola (aqui tomada num sentido mais amplo), reúne os seus adeptos, seus seguidores, os quais não divergem entre si com respeito aos mandamentos estruturais que defendem.
Como não poderia deixar de ser, a doutrina espírita, do mesmo modo, tem sua organização, sua estrutura, montadas em bases sólidas, onde reside a sua razão de existir.
Na linha deste raciocínio, jamais poderíamos ter como espírita, aquele que deixasse de aceitar Deus, ou que não aprovasse a pré-existência da alma ao corpo, sua imortalidade, a pluralidade das vidas e dos mundos habitados, a perfectibilidade dos seres, ainda que por mais imperfeitos, o livre arbítrio do homem (esteio de sua responsabilidade). Além destes elementos essenciais ao pensamento espírita, também não poderíamos acolher como profitentes do Espiritismo, quem negasse c comunicação entre os espíritos, a suprema lei de justiça e de igualdade, à mediunidade, tudo isto embasado na sabedoria dos milênios e, notadamente, nos ensinamentos cristãos. Foram estes alguns dos alicerces lançados por Kardec à codificação espírita e consolidados na doutrina, no tempo e no espaço, através da opinião coerente de homens e de espíritos. Alinhamos apenas algumas das bases filosóficas que firmam o pensamento espírita. Muitas outras ainda existem alicerçando a Terceira Revelação.
No entanto, se os espíritos se unem, coerentemente na aceitação pacífica, sem a mínima discordância sobre as teses centrais, que se fixam por questões preliminares inafastáveis de sua Doutrina, já não acontece o mesmo em torno de temas secundários ainda quando ligados aos sustentáculos da instituição espírita. Deste modo, não divergindo na aprovação da mediunidade ou da reencarnação, podemos dissentir sobre aspectos destes institutos doutrinários. Por outro lado, reconhecendo Jesus, como expoente de maior relevo já encarnado entre nós, também podemos divergir sobre a natureza de seu corpo, ou mesmo a respeito de alguns aspectos de seus ensinamentos ou de sua vida. Aqui, a inteligência do espírita, seu poder de discernimento, de análise e de interpretação gozam da liberdade de voo, na medida da estatura espiritual de cada um. Aí então o terreno de possíveis discordância doutrinárias, que não ferem aquela "ratio-essendi" de sua estrutura. E, diga-se de passagem, em tudo isto, vemos a lei de progresso, de evolução, pois no diálogo, à luz do bom senso, lucram o pensamento humano e as suas instituições. O espírita, como qualquer outra criatura, caso fosse bitolado, teleguiado na linha do seu pensamento, em suas opiniões, deixaria de ser livre e, por esta razão, em perigo estaria sua responsabilidade pessoal.
Se em tudo pensássemos ou lêssemos por uma só cartilha, isto é, a tudo encarando pela mesma ótica, emprestando uma visão unilateral à universalidade das coisas e das ideias, de certo que as doutrinas, as instituições cairiam no marasmo, estagnadas. Estaríamos assim a burlar a lei do progresso, apresentando-a como uma farsa, uma mentira.
O espírita deve ser um individuo de mentalidade aberta. Não pode ser sectarista, o que levaria fatalmente ao fanatismo. Deve aceitar a verdade, venha ela de onde vier. De igual modo, rechaçar o erro, o embuste, a mentira, o que não for certo, vindo de qualquer que seja a fonte, ainda que espiritual.. Enfatizemos a recomendação de João, em sua carta:... não deis crédito a qualquer espírito; antes, provais os espíritos se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo afora". Relembramos também, nesta parte, o Codificador, quando dizia: "No Espiritismo, a questão do Espírito é secundária e consecutiva...
Depois destas considerações já um tanto alongadas, cremos haver assimilado o motivo pelo qual, não somente os espíritas, mas qualquer pessoa tem o direito de discrepar em sociedade, externando suas opiniões sobre inúmeros assuntos dentro de suas posições doutrinárias, mesmo porque vivemos situados em incontáveis níveis de percepção da verdade. Destarte, não podemos nos arredar da faixa do entendimento a que cada um se ajusta, sem a quebra é claro daqueles temas centrais da sua doutrina. O imenso "Bandeirante do Evangelho" Paulo de Tarso quando falando ais Filipenses recomendava: "Andemos de acordo com o que já alcançamos". E esta recomendação exige-se ainda em nossos dias, qual extraordinária regra de exegese. (Transcrito do livro "A Caminho da Luz").
*Jurista e escritor / Garanhuns, 25 de junho de 1983.
Créditos da foto: Anchieta Gueiros.
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