Lavrador de subsistência, o marido fornece milho, mandioca e feijão para as panelas de Lindu. De vez em quando, uma galinha, um porco ou uma carne de caça, graças à boa pontaria de Aristides.
Em 1945 Dona Lindu e seu Aristides mudam-se para o sítio Vargem Comprida, em Caetés. O agreste pernambucano é castigado pela pior seca desde 1932. Outra tão severa só seria registrada no Estado em 1951. Com a lavoura condenada, e quase sem ter o que comer e beber, Aristides deixa os seis filhos e a mulher grávida de oito meses e migra para tentar a vida em São Paulo. Sem que ninguém da família saiba, o retirante leva consigo Dona Mocinha, uma prima de Dona Lindu, de apenas 15 anos. Ela também espera um filho dele. Aristides logo arrumaria emprego como carregador de sacos num armazém de café em Santos, no litoral paulista, e passaria a morar com Mocinha numa casa de madeira no distrito de Vicente de Carvalho, Guarujá.
Em dezembro de 1952 Dona Lindu reúne os filhos, vende a casa e os poucos pertences, e embarca num pau-de-arara rumo a São Paulo. Foi graças a uma peça pregada por Jaime que a mãe e os irmãos chegaram ao litoral paulista. Aristides, analfabeto, ditava as cartas que queria enviar para a mulher enquanto o filho, alfabetizado, redigia. Numa delas, dizia que a vida em Santos estava difícil e insistia para que a mulher permanecesse em Pernambuco. O filho fez o contrário. Passando-se por Aristides, orientou a mãe a vender tudo e partir a seu encontro. A família segue o fluxo migratório predominante na época, rumo aos Estados do Sudeste, em franca industrialização.
Milhares de retirantes repetiriam o mesmo trajeto nas décadas seguintes, fugindo do clima e da falta de perspectivas na terra natal, carente não apenas de chuvas, mas principalmente de investimentos. Apenas em janeiro de 1952, entraram em São Paulo 23 mil nordestinos.
Após 13 dias de viagem, espremida no caminhão com outros retirantes, a família desembarca no Brás, na capital paulista, e segue para Santos. Um barco os leva finalmente a Vicente de Carvalho, onde reencontram Aristides e Jaime. Assustado, o pai não demonstra alegria ao rever a mulher e os filhos. Pelo contrário, fica nervoso ao dar pela falta do cachorro Lobo, que ficara no sertão.
"Meu pai era um poço de ignorância. Um dia, em 1952, a minha irmã tinha uns três anos, eu via meu pai comendo pão e a minha irmã pedindo um pedacinho. Meu pai pegava os pedacinhos de pão e ia jogando para os cachorros. Ele não dava para ela. Isso me marcou muito. Na época eu tinha uns oito ou nove anos." Afirma Lula.
Em 1955 cansada do alcoolismo e das grosserias de Aristides, que agredia fisicamente as crianças, Dona Lindu abandona o marido e parte de casa com os filhos. O estopim fora uma ocasião em que Aristides castigou Ziza com golpes de mangueira e, em seguida, partiu para cima de Lula, para castigá-lo também. Dona Lindu postou-se diante do caçula, então com 9 anos, como se fosse um escudo, para que o marido não batesse nele. Acabou levando uma mangueirada. Sentiu pela primeira vez no próprio corpo a fúria do marido e não admitiu apanhar dele.
"Nós não tínhamos vida de criança, não tinha esse negócio de brincar, jogar bola, se divertir. A separação foi um grito de liberdade que a minha mãe deu."
Em 1956 Lula muda-se para São Paulo e vai morar com a mãe e os irmãos na Vila Carioca, um bairro operário no distrito do Ipiranga. Moram nos fundos de um bar, arrendado por um tio, onde o banheiro é compartilhado com os clientes. Não há asfalto, nem calçada, nem saneamento, nem mesa ou cadeiras em casa. Em pouco tempo, os irmãos arrumam emprego e a família aluga uma casa de alvenaria, também na Vila Carioca. Na época das chuvas, a casa é invadida por enchentes.
Em maio de 1980 morre Dona Lindu, aos 64 anos, vítima de um câncer no útero, no Hospital Beneficência Portuguesa de São Caetano. No dia seguinte, Lula é autorizado por Romeu Tuma, então diretor do Dops, a deixar a prisão, escoltado, para ir ao enterro da mãe. A multidão presente ao enterro cerca a viatura policial e tenta impedir que Lula volte à prisão. Foi preciso que ele mesmo tomasse a palavra e convencesse quem protestava de que retornar à cela seria mais prudente, alegando que uma rebelião, naquele momento, daria motivo para uma repressão ainda mais intensa.
Fonte: Instituto Lula
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