Por João Marques* | Garanhuns
Tarde de verão, dá-se o reencontro casual. Calor intenso, as pessoas procurando abrigo em um ambiente refrigerado. Uma sorveteria, melhor. Longe um do outro, os dois amigos da história têm a mesma preferência, pelo mesmo horário e local. Gersé chega um pouco antes. Lívia, depois. Faz tempo que não se veem. E não é fácil o avistamento. Alguém, por descuido, deixa cair água no chão da sorveteria. Uma mulher passando pisa e cai, num escorregão medonho. Os circunstantes acodem. Os dois amigos se levantam também de onde estão sentados, em mesas separadas, e providencial e acidentalmente se veem. E posta de pé novamente a mulher, vencido o susto, os dois vão ficar numa mesma mesa. O cumprimento é de grande abraço. Sentados, tomando cada um sorvete na taça, iniciam duradoura conversa. No passado, haviam estudado juntos, e, por um tempo, morado em uma casa de estudante. Fazia isso uns 10 anos. Continuavam solteiros e descontentes com os locais onde moravam. Empregados, percebendo remunerações a contento. E, na conversa, não é difícil chegarem a entendimento de que podem morar melhor. Lívia se queixa de que se achava muito só. - No trabalho, convivo com o grupo! No hotel, enfrento solidão! - Lívia, diz Gersé, tenho pressentimentos... É isso! Estou, há algum tempo, esperando uma mudança em minha vida. Sabe, está escrito, vamos morar juntos! E concordam com a ideia. Ajudarem-se, mutuamente. Lívia diz que pode ser um apartamento perto, de 2 quartos e 2 banheiros. Combinam tudo. E se prontificam a procurar o imóvel, com brevidade. Depois desse encontro, não passa muito tempo. Conseguem em edifício reformado o apartamento de terceiro andar. Local agradável, logo depois do rio que corta a cidade. Gersé, sem desfavorecer a escolha, comenta a existência de uma dificuldade no trânsito. Em grandes chuvas passadas, o rio transbordou sobre a ponte, dificultando a passagem dos carros. Mas convêm que isso não podia ser motivo, para desistirem da nova morada. Novo tempo, os dias ficam melhores. Toda a noite, chegam do trabalho, e jantam em casa. Lívia gosta de cozinhar. E não deixa o amigo chegar perto. Comem, falam da vida, relembram o passado... Aos domingos, fazem sempre uma programação diferente. Saem. Juntos, têm muita simpatia um pelo outro. Mas não se dão a uma convivência amorosa. Ambos têm histórias de decepções amorosas no passado. Preferem viver assim, juntos, mas não amantes. Gersé tem mais uma justificativa. Há anos, vem enfrentando doença no coração, e acha que não vai viver muito tempo. Pressentimento... Meses de mais de um ano, a vida boa, e parecia que ia durar sempre. Gersé, porém, começa a tomar mais remédios para o problema cardíaco. Lívia se preocupa. Anima o amigo. Ele, pessimista com a sua situação, admite poder morrer a qualquer tempo vindouro. As chuvas voltam. Numa noite de sexta-feira, Lívia chega mais cedo, como era costume. Espera o companheiro, para a janta. Ele não chega ao horário de sempre. Lívia se lembra que nesse dia o amigo passa pelo supermercado e traz a mala do carro cheia das comprar, para duas semanas, principalmente frutas. Chove muito. O tempo passa. Lívia telefona, mas o telefone dele não atende. Duas horas depois, Lívia, muito preocupada, lembra-se de ligar a televisão. E logo escuta a notícia: "O rio está com as águas acima da Ponte Duarte Coelho, e notícia aqui chegada agora informa que 2 ou 3 carros, descuidados, caíram no rio, com os passageiros."
*João Marques dos Santos, natural de Garanhuns, onde sempre residiu, é poeta, contista, cronista e compositor. Teve diversas funções nas atividades culturais da cidade: foi Presidente da Academia de Letras de Garanhuns, durante 18 anos, Diretor de Cultura do Município e, atualmente, é presidente da Academia dos Amigos de Garanhuns - AMIGA. Compôs, letra e música, o Hino de Garanhuns. Mantém, desde 1995, o jornal de cultura O Século. Publicou quatro livros de poesia: Temas de Garanhuns, Partições do Silêncio, Messes do azul e Barro.
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