quarta-feira, 18 de setembro de 2024

euHerói - Capítulo 8

João Marques

O trem chega causando grande reboliço. E Limeira tem uma ideia genial

O trem aparece de vez em quando e é o que mais reúne as atenções de todos. Chega avisando de longe, com apitos altos e o barulho que faz nos trilhos. Traz gente de outros lugares da Avenida, e leva. Um agente misturador. Tornando-se, numa visão mágica, o caminho que encolhe e estira. E vai e vem conduzindo as pessoas, que, humanas têm hábitos nômades sempre. É uma festa, tanto que mais gente vem ver por curiosidade. A fumaça, o vapor, o foguista pondo mais lenha no fogo, a máquina fumando e escorrendo água e faíscas. Esticado no chão, amedronta, mas deixa que todo o mundo suba. Engole os passageiros e apita, alegre, partindo pesado, de ferro e de gente.  O trem é visto pelas crianças como um bicho grande. Uma serpente que vem dos tempos dos dinossauros. Um bicho amigo e parecido com os brinquedos. Limeira frequenta a estação ferroviária, como lugar de sua preferência. Vem e fica cá muito tempo. Encontro-o, e ele me diz que procura o chefe da estação. Conta-me que tem uma ideia, uma grande ideia.

O trem é uma grande invenção da humanidade, considera. E que pode ter outras serventias, além de transporte convencional, diz, imagina e quer apresentar ao chefe da estação um plano. Descobre ser o trem um atrativo infantil e poderoso. Assim, é criar um trem das crianças. Para que brinquem à vontade. Não é, ainda, justifica Limeira, a solução do mundo, mais uma forma de melhor entretenimento. Pergunto como é...

- Assim! não será igual ao trem grande e de ferro, que amedronta... será parecido... - informa tudo isso, cheio de convicção.

Ele surge, voltando para estação e fazendo curvas como no deslocamento de uma serpente. O caminho só de linhas curvas, para a viagem não parecer longa. Os vagões baixos, mas compridos como os verdadeiros. Todos balançando e cheios de cores e enfeites. Os apitos longos e musicados. Ficam umas crianças no trem e outras fora, olhando a passagem. Quando parar na estação, será um vai-e-vem grande de meninos e meninas correndo para os lados. Outros brincam de trabalhadores do trem. Maquinistas, foguistas, guarda-freios, bilheteiros, telegrafistas, que executam de brincadeira as tarefas necessárias ao funcionamento do trem. Muitas caixas de papelão, para servirem de mala. Uma fila enorme para comprar os bilhetes de passagem. Tudo de mentira. E em lugar do bilhete, recebem bombons e chocolates. Os papéis coloridos das embalagens servem como comprovantes do pagamento das passagens. No Natal, desembarque de Papai Noel, e todas as crianças recebendo presentes de verdade.

Interrompo Limeira, para dizer que é um trem lúdico e capaz de proporcionar às crianças momentos de grande alegria e felicidade. Até eu, digo a Limeira, gostaria de entrar nesse trem e virar crianças novamente. E alegres, com a imaginação do trem infantil, conversamos por longo tempo. Enquanto meu amigo diz que a criança que fomos continua na gente, eu respondo que a dele torna-o verdadeiramente menino. Um menino que pensa como gente grande.

Vai procurar o chefe da estação, mas não o encontra. Diz-me que voltará, e que eu espere para ver o trem inventado nos trilhos. E considerei que a Avenida não deixa de ser um parque de diversão. Divertimentos de trem e histórias encantadoras. E todos, crianças e adultos, brincam com alguma coisa. Objetos, tudo pintado. O gosto pela beleza, pela fantasia, pelo encantamento do mundo. E me proponho a não cansar de brincar de Avenida. Um trem corre nos pés de cada transeunte. E meninos, como que Limeira, brincam de viajar. Mas ninguém se distância de si mesmo, ou da Avenida, presente em todo o tempo.

*João Marques dos Santos, natural de Garanhuns, onde sempre residiu, é poeta, contista, cronista e compositor.  Teve diversas funções nas atividades culturais da cidade: foi Presidente da Academia de Letras de Garanhuns, durante 18 anos, Diretor de Cultura do Município e, atualmente, é presidente da Academia dos Amigos de Garanhuns - AMIGA. Compôs, letra e música, o Hino de Garanhuns. Mantém, desde 1995, o jornal de cultura O Século. Publicou quatro livros de poesia: Temas de Garanhuns, Partições do Silêncio, Messes do azul e Barro.

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