quinta-feira, 4 de julho de 2024

Rafael Calumby

Rafael Calumby

João Marques* | Garanhuns, Janeiro de 2017

Quando tive a notícia, Rafael estava enterrado já fazia dias. Morreu repentinamente, AVC, e a família fez os funerais. Eu quis saber, perguntar, mas não tive sucesso. Não conheço a família. Conheci, em 1958, sua mãe, seus irmãos, ainda pequenos. Moravam na rua Pascoal Lopes. Mais de 20 anos depois, Rafael volta... é outra história, não o acompanhei de perto nesse tempo.

A primeira, Rafael Calumby estuda no Colégio Diocesano. Eu também. Encontrávamo-nos diariamente na avenida do centro. Rafael, Luiz Tenório, Everaldo, Jáder Romeu e eu, entretíamos a vida de jovem, com tempo e espaço. Os livros sempre eram o assunto. O Tronco do Ipê, Iracema, de José de Alencar, Dom Casmurro, de Machado de Assis, Camões, Castro Alves e lia-se muito na época Rui Barbosa.

Servimos juntos o tiro de guerra em 1959. Rafael foi ser locutor na Rádio Difusora de Garanhuns. Postais Sonoros, um programa que fez muito tempo. Casou e foi embora. Tínhamos vivido um tempo de ouro. O Cinema, o Café Iris, o Clube Juvenil de Cultura, onde nós apresentávamos trabalhos, poesias. Inesquecível Clube Juvenil de  Cultura!

Depois, a segunda fase, Rafael chega cheio de problemas. A esposa padece de doença mental, uma filha também. Vida difícil. A esposa morre. A filha anos depois segue a mãe. Rafael, agora, meio isolado onde mora, volta a estudar. Quando nos encontramos, raramente, a conversa é filosofia. livros, a vida. Escreve para O Século, elogia constantemente O Século. Tenho-o como amigo especial, da amizade antiga, da convivência antiga, do tempo sem maiores problemas.

Pela terceira fase, penso agora em Rafael Calumby. Viveu, como sofreu e esperou. Viveu dignamente, como se vive. Como vive pouca gente. Felizmente, viveu e eu tive como meu amigo. Passou por cima de Garanhuns, meio anônimo. Passou como um cometa, brilhante e de destino desconhecido.

A vida começa longe, e vem com amigos, tempos, e a gente se dá com ela. O que passa, para os amigos da vida, não acaba. Vira outra coisa, a saudade, um passado se bolindo nas praças, nas esquinas e nas calçadas mais largas.

*João Marques dos Santos, natural de Garanhuns, onde sempre residiu, é poeta, contista, cronista e compositor.  Teve diversas funções nas atividades culturais da cidade: foi Presidente da Academia de Letras de Garanhuns, durante 18 anos, Diretor de Cultura do Município e, atualmente, é presidente da Academia dos Amigos de Garanhuns - AMIGA. Compôs, letra e música, o Hino de Garanhuns. Mantém, desde 1995, o jornal de cultura O Século. Publicou quatro livros de poesia: Temas de Garanhuns, Partições do Silêncio, Messes do azul e Barro.

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