terça-feira, 2 de julho de 2024

Jayme Luna, um amigo solidário

Jayme Luna
Texto de Amaro Costa*

Jayme Luna, funcionário público estadual também jornalista, político socialista dos moderados, mas bastante preocupado com os problemas do povo e seu estado social: moço inteligente, era em termos de datas um verdadeiro computador. Quando lhe perguntava a data de uma ocorrência passada, ele então logo respondia com consciente precisão a data; dia, mês e ano. Luna, pessoa de boa formação,  amigo e solidário nos momentos da aflição, condenava nos governos as injustiças sociais, ditaduras, opressão, lesa pátria e tudo mais. Queria um Brasil livre e independente, com seu povo forte, consciente e competente.

Já nos anos do movimento da Aliança Nacional Libertadora, Jayme Luna ao lado do povo se pôs com valentia e coragem e, mesmo assim, teve que se refugiar em municípios e distritos vizinhos a Garanhuns, em propriedades de amigos, para não ser preso e continuar lutando, escrevendo sem perder a liberdade. Muito jovem ainda lutava com abnegação, sempre ao lado do povo, contra a ditadura e opressão. Sua arma era lápis e caneta. Nos artigos de jornais, sua opinião condenava opressores e  ditadores que ao povo só causam males, infelicidades e tristezas.

Jayme tinha o costume de andar sempre ao centro das ruas, pois temia andar nas calçadas que para ele era perigoso, especialmente à noite. Ele temia os malfeitores que poderiam se amparar nas  esquinas e becos. Precavido, quando a noite era mais escura e a iluminação precária, Jayme tinha o cuidado de se distanciar das calçadas. Nos anos 40, 50 e 60, na cidade da Garanhuns onde nasceu e sempre morou, as ruas eram pouco movimentadas, com poucos carros e daí se poderia transitar com menos cuidado, até mesmo nas artérias centrais. 

Quarta-feira, cerca das 23 horas, de 31 de março de 1964, quando eu conversava com alguns amigos em frente ao Café Central, de propriedade de Sandoval Almeida, quando do outro lado da avenida Santo Antônio, eu via Jayme que  para mim acenou, chamando-me ao seu encontro. Prontamente atendi. Foi aí que me informou do golpe militar que estava em marcha. O general Mourão Filho se deslocava de Minas Gerais para o Rio de Janeiro, com o objetivo de reforçar as ações e "berraria" de Carlos Lacerda que contava também com o apoio do governador de São Paulo, Ademar de Barros. Eu, até aquela hora da noite, não sabia ainda da traição militar à Constituição Brasileira. Os golpistas eram liderados pelo jornalista Carlos Lacerda, na época governador do Estado da Guanabara, atual Estado do Rio de Janeiro.

Logo que Jayme me fez ciente do que estava ocorrendo, me dirigi bastante preocupado para a minha residência. Ao chegar em casa, não demorou, Aarão Braga, seus dois irmãos e mais alguns companheiros chegavam, em um caminhão, para fazer ciente do que  estava acontecendo no País. Dali saímos todos juntos e fomos acompanhar, em vigília, em uma garagem-depósito no bairro da Brasília, em Garanhuns. Junto  com vários companheiros, passamos a noite escutando as emissoras de rádio que divulgavam o desenrolar dos acontecimentos. Para decepção nossa, os governos eleitos pelo povo, tanto a nível federal como estadual - o presidente João Goulart, o governador Miguel Arraes e outros, não se dignaram a oferecer a mínima resistência aos golpistas. O Presidente da República fugiu, o nosso governador Arraes foi preso e os que neles votaram, muitos que em vigília ficaram, foram procurados, perseguidos, presos e torturados. Muitos desses até a morte. Hoje resta o monumento "Tortura Nunca Mais" que serve de tema para os caçadores de votos em época de eleições.

Esquecer Jayme eu não esqueço. Valeu muito a sua contribuição pela luta de um Brasil livre e independente. Contribuição esta que não podemos deixar de reconhecer e que foi de grande valor político e social. E mais: Jayme lutou e se expôs em época de grande e terrível discriminação política e ideológica. Em períodos de regimes ditatoriais, como nos 15 anos dos governos de Getúlio Vargas e no golpe militar de 1964, que se prolongou por quase 20 anos, deixando muitos mortos, viúvas e crianças sem pais, inúmeros desaparecidos que até hoje não se sabe se estão vivos ou onde foram enterrados. Até os governos democratas de hoje silenciam. Quem sabe, pois se até hoje só existe democracia para os que  gozam do poder econômico. Tomara que um dia nosso povo possa ser feliz vivendo em uma democracia do  povo para povo. Jayme, meu amigo, que Deus o tenha em bom lugar, aqui será sempre lembrado.

*Amaro Costa, alfaiate aposentado, foi vereador em Garanhuns e membro do PCB - Partido Comunista Brasileiro.

Texto transcrito do jornal O Século de Setembro de 2002.

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