Damião estava cumprindo sua tarefa diária trabalhando no alugado para manter a mulher e oito filhos menores. Cortava lenha. O machado bateu forte e uma acha da madeira atingiu sua perna provocando ferimento. Sangrando, procurou meizinha para estancar a hemorragia e sarar a ferida, recorrendo a um pouco de farelo de caroço de algodão e urina de vaca. Fez um emplasto, botou na ferida e amarrou com uma palha de bananeira. Voltou à faina aliviado.
Em poucos dias, a perna começou a inchar e as dores a incomodar, não permitindo realizar o trabalho. Procurou o dono da propriedade, que o repreendeu, por aceitar orientação de terceiros e, por conta própria, colocar porcaria no ferimento. Adiantou-lhe dinheiro e recomendou que fosse à farmácia para comprar um remédio.
O FARMACÊUTICO
Andando com dificuldade, o trabalhador chegou ao estabelecimento, onde encontrou um cidadão vestido de branco, a quem se dirigiu.
Damião conhecia a denominação do medicamento, porém na linguagem popular. Dirigindo-se ao farmacêutico, fez o pedido.
- Dotô, quero que me venda um cruzado de jodoforme para butá na biana que tá cumendo minha perna. Dói muito e faz um cuminhão disgraçado. Tô vendo a hora de num pudê trabaiá e não tê cuma sustentá a família. Já fiz de tudo, Dotô! Dixero que pra firida bom mermo era farelo de caroço de algodão cum mijo de vaca. Butei umas trêis vêis e a bicha reimosa, danou-se prá coçar e duê. Tá danada mermo.
- Olhe - respondeu o farmacêutico - não é jodoforme e sim iodoforme. Você está enganado. Jodoforme não existe.
- Oxente dotô! O sinhô num cunhece jodoforme, aquele pozinho amarelo e fedorento que parece colorau?
- Não estou dizendo que não conheço! Estou dizendo que jodoforme não existe e sim iodoforme; entendeu?...
- Eu só quero jodoforme para curá a biana, sinão vira firida braba e num tem mais jeito.
Fregueses e curiosos foram se aproximando e se aglomerando para ouvir a discussão.
- O patrão me deu dinheiro pra eu comprar o remédio que é jodoforme insistiu o trabalhador.
Vaidoso por ostentar um título considerado de doutor, envergando a bata de linho branco, o farmacêutico para chamar ainda mais a atenção dos presentes, desviou-se do diálogo com o trabalhador.
CARTA DO ABC
- Vejam os senhores. A gente vai para a escola, desde a carta de ABC, depois passa cinco anos no colégio, para ir à faculdade. Ali estuda mais quatro anos, forma-se, recebe o diploma e, na prática, chega à conclusão de que parece que tudo foi em vão. Nada vale, porque pessoas despreparadas e ignorantes não entendem e criam tanta dificuldade para comprar um simples medicamento. De que vale o diploma? Mas a culpa não é dessas pessoas, e sim do governo, que não leva o ensino às áreas rurais.
Com isso, o farmacêutico pretendia revelar seus conhecimentos á plateia, curiosa, que ocupava quase todo o recinto.
Sem entender o linguajar do doutor, Damião, reconheceu que estava constrangendo-o e buscou uma alternativa.
- Parece que agora intendí vossa mercê. Me adiscurpe. Já qui num inzisti jodoforme, cuma o sinhô mermo dixe, e falô nesse outo remédio, o deploma. Será que serve mermo? Vamo isquecê o jodoforme. Acho que o sinhô tem razão. E se agarante que é mió para curá a biana. Sí o preço fô o mermo, quero um cruzado de deploma prá butá nessa disgramada que tá cumendo minha perna. (*Jornalista, radialista, cronista, foi vice-prefeito e vereador em Garanhuns | Garanhuns, 12 de agosto de 1994).
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