quinta-feira, 13 de junho de 2024

O Menino de Miracica

Rubens Vaz da Costa
Luiz Souto Dourado*

Numa das minhas visitas a Miracica mostraram-me ao longe uma casa branca onde ele havia nascido. Casa simples do talvez mais pobre dos distritos de Garanhuns. Por coincidência, naquele mesmo dia iniciava-se a construção do Banco do Nordeste em nossa cidade. O menino de Miracica, presente ao ato, chamou-me para ajudá-lo a colocar numa urna os jornais do dia. Ele não era um convidado qualquer. Era o próprio presidente do Banco. E os jornais contavam a sua história de aluno aplicado do Diocesano, onde estudava com sacrifício. De lá fora para a Bahia e da Bahia para os Estados Unidos.

Encontrava-me em Fortaleza, numa delegação da COMPER a um congresso de investidores, quando um jornalista amigo segredou-me a notícia: Rubens Costa seria o novo superintendente da SUDENE. A sua caminhada, da casa branca de Miracica aos altos postos que viria a ocupar, começava bem, pensei comigo mesmo.

Agora, que estamos ambos na planície, ele sem cargo oficial, por enquanto, e eu por enquanto, sem mandato popular, posso dizer da experiência que vivemos juntos, sem que possa advir desses comentários interpretações de outros interesses.

Interesse houve no Nordeste quando o procurei, como deputado, da defesa dos incentivos do 34 e 18. Pressentia que era o começo do esvaziamento da SUDENE. Quando se abria uma opção entre o Nordeste e outras áreas do Sul para aplicação dos recursos criados por lei, para justamente diminuir o desequilíbrio entre as regiões, a opção já havia sido feita contra nós. Disso só os ingênuos tinham dúvida. Entre construir hotéis e fazer reflorestamento no Sul ou no Nordeste nem mais opção existia. 

Estava legalmente aberto o caminho que era, por se assim dizer, o desvio dos recursos que nos pertenciam. Senti a luta e por que não dizer s revolta de Rubens nesse episódio. O seu esforço foi grande para minimizar os  efeitos dessa decisão altamente prejudicial aos interesses do Nordeste. E aí está o resultado. Compute-se o volume dos recursos desviados para outras áreas e veja-se a sangria que o Nordeste sofreu e continua sofrendo.

Já na presidência do Banco do Nordeste também o procurei para dois projetos do interesse de Garanhuns: a liberação de recursos para a fábrica de relógios e o da construção de uma fábrica de sacos plásticos, cujo projeto lhe foi entregue pessoalmente aqui no Recife, na presença de empresários e líderes políticos.

Depois de pronto o prédio do Banco é inaugurado, logo após, a fábrica de relógios, vou encontrá-lo novamente, dessa vez ele na Presidência do Banco de Habitação e eu como prefeito de Garanhuns. Ambos desafiados no seu amor próprio, ou melhor do próprio amor a uma cidade que era e é de nós dois e que de nós dois dependia naquele momento com um problema da maior seriedade, para uma cidade que é polo de desenvolvimento de uma região.

A luta começou aqui na SUDENE, para a aprovação do projeto. Dei muito trabalho ao engenheiro Lavigne e ao seu sucessor. Depois transferiu-se para o Rio de Janeiro, sede do Banco de Habitação, que deveria aprovar o projeto de financiamento. Viajei para o Rio, com a disposição de somente regressar com o projeto aprovado. Lá servia de uma espécie de intermediário entre a COMPESA e o Banco, ou melhor, entre Garanhuns e Rubens. Poucos dias, menos de uma semana, depois do meu regresso, recebia de Rubens um telegrama comunicando que a Diretoria do Banco havia aprovado um empréstimo de oito milhões e meio para financiar o abastecimento de água da nossa cidade. E precisamente em setembro de 1972, o contrato entre o Governo do Estado e o Banco de Habitação era solenemente assinado em Garanhuns, pelo governador Eraldo Gueiros e o economista Rubens Costa. 

O governador de Pernambuco assinara com o prefeito de Garanhuns o convênio necessário à realização da obra. A luta agora era para a concorrência pública desses serviços pela COMPESA, com a urgência que o prefeito solicitava pessoalmente todas as semanas. É que não queríamos que terminasse o nosso mandato sem que essa obra, velho sonho de Garanhuns, não fosse iniciada. E assim, com a persistência, que deve ser a virtude maior de quem administra, vimos finalmente os serviços de abastecimento d'água das Inhumas serem oficialmente iniciados, com a presença do secretário da Viação e o presidente da COMPESA com discursos e placas comemorativas.

Estavam finalmente gratificados, Rubens Costa, que concedera o empréstimo para as obras, e também o prefeito que conseguira que elas tivesse início, que fizera à COMPESA o primeiro pagamento do financiamento, que viajara para falar com Rubens, que assinara o contrato com o governo do Estado.

Em Rubens Costa, o "Menino de Miracica", o seu amor e apego às coisas de sua cidade, é quem sustenta o homem público, o que é na realidade.

*Ex-prefeito de Garanhuns, deputado estadual e escritor.

Foto: Rubens Vaz da Costa.

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