quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Prefácio: 'O Diocesano de Garanhuns e Monsenhor Adelmar de Corpo e Alma'

Jones Figueiredo Alves

Jones Figueiredo Alves (foto)*

A ideia do homem encontrar a sua humanidade, intrinsecamente essencial de sua  natureza, tem lugar, no passado remoto e feliz de sua formação educacional, em que  todas as coisas foram descobertas, na extensão do mundo revelado. As ideias possíveis da verdade, do amor, da dignidade, da justiça, da realidade espiritual, incorporam experiências na plenitude de um tempo que tem início nos bancos escolares, assinalando o homem, pressentindo a vida. Nos fluxos da vida, em presença dessa época, dir-se-á encontramos o  começo da história pessoal de cada homem, no cerne da preparação das buscas dos sonhos, incluindo a existência, os encontros com as crenças, os anseios de consistência interior, os  fundamentos das práticas humanas.

Na origem da instrução, o colégio é o habitat perene do homem, caracterizado de  unidade de objetivos e ideias, paraíso originário predizendo os tempos, uma solução de  universalidade para todos. Algo além de si mesmo, porque não reduzido às relações dos seus  dias. Permanece ele, íntegro, dentro do homem-aluno, nos lugares onde a alma se encontra inteira, porque vinculado à própria noção de sua legitimação, concebendo-o para a vida.

Nesta acepção, o recôndito do homem envolve, sempre, uma viagem regressiva, porque o seu referencial de existência o conduz de volta, ao colégio, afim de encontrar ali, a revivência de fatos e de compreensões, como expressão fenomênica de suas circunstâncias, do "ego" verdadeiro, do aprendizado de vida oferecido. Encontro do homem ali nascido, de  verdade, para viver a vida.

Essa, a densidade da obra de Manoel Neto Teixeira, ao publicar a história do Colégio Diocesano de Garanhuns, com profundidade e força que ganham ressonância na destreza do seu talento de jornalista e escritor, e com a alegria do espírito de quem teve o privilégio de ser, como eu, aluno daquele estabelecimento, e sobretudo, de aprender com o coração e o exemplo do Padre Adelmar da Mota Valença, seu diretor por quarenta e quatro anos.

Faz ele uma peregrinação de sentimentos, que presta valiosos subsídios ao descrever, com fidelidade histórica e estilo atraente, a fascinante existência do ginásio amigo, querido lar, em seus setenta e nove anos de templo sagrado de luz e saber. Uma sábia e inspiradora iniciativa, feita de amor e de honra, que garante a memória do educandário, olhando-o  em sua magia e em sua dimensão intemporal.

Faz ele, também, uma prospecção virtual dos acontecimentos que  substanciam a grandeza do Colégio Diocesano, na jornada de caminho em compromisso de seu destino, demarcado por tantas lembranças e ações de perenidade, rendido à liturgia de tempos memoráveis, onde toda a intimidade do passado, tem significado de permanência.

O seu trabalho é algo em estado de oração, capturando momentos e personagens identificados na fecundidade do realismo da instituição que tornou-se a maior e mais  tradicional unidade de ensino no Estado. Fundado em 19 de março de 1915 e tendo no prédio da Praça da Bandeira as suas instalações, a partir de 12 de outubro de 1925, constituindo essa a sua data maior, o querido Ginásio, "alto padrão de civismo e de glória" formou gerações, plasmou ideias, fez homens para o país, realiza a História. Manoel Neto, no âmbito desse realismo, soube extrair as situações mais significativas dessa trajetória, com infatigável pesquisa pela tradição e valores do Colégio, marcando os sulcos definidores de sua história, sobre os quais ergue-se a sublimidade do seu tempo.

O Colégio sempre esteve plácido de amor, como caminho de luz, de ciência e de fé, transcendente pela constante e indelével presença do padre Adelmar, com suas aulas de civilidade, a ventura de sua convivência, a autoridade de seus conselhos e ensinamentos. Um santo homem, como a mais afirmativa realidade de Deus entre os homens, regendo a esperança e a paz. Concluinte do Curso Clássico no ano do Jubileu do Ouro do educandário, lembro-me que em saudação feita, em 8 de outubro de 1965, referia que Padre Adelmar "é o cálculo preciso de quanto o Amor se põe a amar, é o original mistério que o conhecimento poético diz desta casa, é a situação histórica do Colégio Diocesano", tamanha a sua dedicação aos alunos e ex-alunos, neles trabalhando a atividade da coragem moral e as exigências ontológicas do homem.

A obra de Manoel Neto Teixeira, nesse particular, alcança nível perfeito de comunhão, capítulo de suas Memórias, em autobiografia inédita, vivificadora em fase de Deus e dos homens. Confissões de uma vida consagrada ao sacerdócio e ao Colégio, germinando o grande experimento do homem concreto, lições evangélicas de primado do espírito e de  profunda doação, numa linhagem de beleza imbatível, com a leveza própria da santidade.

Eis aí um livro que precisava ser escrito e extremamente raro pelo seu valor. Tudo o que o Colégio Diocesano tem sido, feito e pensado, preserva-se em suas páginas, ante o  domínio absoluto com que o seu autor consegue empreender na revisitação ao tempo da  juventude, em regresso à fonte dos idealismos. Um trabalho digno do amor que cada ex-aluno dedica ao Colégio e que servirá, sem dúvida, como síntese desse próprio sentimento. Mais ainda: constituindo-se numa obra  de ulíssea obstinação em responder a esse sentimento, consegue Manoel Neto lavrar o caminho da revisitação com o registro das passagens mais  expressivas, envolvendo pessoas e fatos fundamentais que constituem todas as ênfases desse liame. Almira da Mota Valença, no sorriso de quem ensinou bondade, além de humanidade, os demais professores, no fascínio de cada nova lição oferecida, as cenas do pátio interno, do refeitório e do internato, o hino e a bandeira, a banda marcial e os desfiles do 12 de Outubro, a capela, a sala de recordações, a biblioteca e a secretaria, as salas de aulas como altares de iniciação, os grêmios literários, os episódios da vida escolar, compõem, pontificados com o Padre Adelmar, o entendimento nítido da história do Colégio e do sentido amplo de  todos os afetos, guarnecidos até hoje.

É obra que não serve apenas ao interesse do historiador, ao levantar Livros de Tombo e acervo particular do antigo Diretor. É obra que serve a um tempo que representa o evangelho de todas as coisas, na construção do integral, dignifica-o na sua  evocação, o faz mais do que  nunca presente na alma do leitor. É, pois, uma obra permanente, para ser lida mais de uma  vez.

Manoel Neto Teixeira, jornalista, escritor, advogado, primeiro amigo de todos os que aprendi merecer, concedendo-nos a honra de prefaciar o seu trabalho, favorece-nos uma  feliz oportunidade de nova reflexão com o apaixonante tema de vida que representam o  Colégio Diocesano de Garanhuns e a figura de padre Adelmar da Mota Valença, fincados à prontidão do absoluto, como dádivas no significado vertical de minha existência. Oportunidade, que por certo, cada leitor também obterá, ao encontrar em cada instante da leitura, a intensa vida interior que o Colégio irradia, permanentemente, em todos nós.

Recife, agosto de 1994

(Jones Figueiredo Alves é Jornalista e Desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco).

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O cabo eleitoral

Garanhuns - A presença do "cabo eleitoral", ou "de eleitor", está ligado às eleições, desde os  tempos do Brasil colônia...