sábado, 12 de agosto de 2023

O menino e as borboletas


Clovis de Barros Filho*

São Paulo (SP) - Eu não tinha mais que seis anos. Vivia  uma vidinha pacata de criança caipira cujos brinquedos eram muito simples e rudimentares na época. O carrinho de madeira todo colorido, a tabica seca puxada por duas borrachas simulando o cabresto de um cavalo fogoso, ou à vezes a roda de borracha de automóvel empurrada por uma forquilha. Aquilo era tudo que tinha, mais que me faziam extremamente feliz. Quando não estava brincando com esses brinquedos, ia ao sítio dos meus avós e lá me sentia no paraíso. Vivia no mato literalmente. No mato que digo é força de expressão. Vivia entre mangueiras, cajueiros, laranjeiras e toda sorte de fruteiras que abundavam no sítio dos meus avós. Chegava mesmo a ter meus particulares pés de caju, de manga. Meus avós não permitiam que outros netos ousassem se apoderar daqueles que tinha escolhido. Mais havia fruteiras  suficientes para todos. Passava a maior parte do tempo em cima dessas árvores. Quando não estava brincando e imitando o Tarzan, estava me deliciando com as frutas. À casa, só retornava quase a noitinha, todo lambuzado  com o resto das frutas que tinha comido durante o dia. Esse era meu cotidiano naquele lugar, entre a vila e a casa dos meus pais e o sítio dos meus avós. 

Nesse período aconteceu uma história engraçada. Minha mãe precisou ir à Garanhuns. Meu pai ficou cuidando da mercearia ou budega como era também chamada. Como não tínhamos empregada, meu pai decidiu naquele dia ir almoçar no sítio com meus avós. Resolveu então mandar um pedaço de carne seca para minha avó assar, para ele comer no almoço. Era ainda cedo da manhã acho que umas dez horas, quando  ele  pediu para eu ir levar a carne do almoço. Acho que o mês era abril. Um mês de muita chuva, onde o verde já se fazia presente e o mato perfumado vicejava em todos os lugares. De posse do pacote com a carne seca me dirigi ao sítio. Aquela manhã estava muito ensolarada. Do chão de terra batida ainda emanava o cheiro característico de chuva da noite anterior. No final da rua, já começando a zona rural, ficava a Casa do Padre. Essa casa ficava sempre fechada e só era usada quando o padre vinha no seu velho Ford 29 celebrar alguma missa na vila. Ao lado da Casa do Padre havia um pequeno bosque de arbustos cheios de flores, que atraiam uma verdadeira nuvem de borboletas multicoloridas, cada uma mais linda que a outra. Não resisti aquele espetáculo da natureza. De pronto, coloquei o pacote com a carne seca em cima da calçada da varanda da Casa do Padre e  me pus a observar e a correr atrás daquelas que me pareciam as mais coloridas e exóticas. Tive sorte em capturar algumas, mais a maioria conseguia fugir. Havia tantas borboletas e a diversidade era tanta, que eu não percebi o tempo passar de tão extasiado que ficara. Só vim mesmo dar conta da hora e já meio dia, quando uma voz me tirou daquele sonho. Era a voz do meu pai. Fiquei petrificado sem saber o que fazer. Ele inicialmente achou que eu  tivesse entregue a carne no sítio. Certamente estava faminto. Perguntou na sequência: você entregou a carne para mamãe? Eu gaguejando e já prevendo o que aconteceria em seguida, falei: não papai a carne está na calçada da Casa do Padre. Nem precisa contar a reação dele. Ficou furioso. Tirou uma pequena tabica (vara) verde e com ela saiu correndo atrás de mim até a casa dos meus avós. Levei algumas lapadas na pernas finas até chegar lá. Fui salvo pela minha avó que evitou que levasse uma pisa maior. Mais valeu a pena. Jamais esqueci aquele espetáculo das borboletas coloridas.

*Clovis de Barros filho nasceu na Serra da Prata (Iatecá). Estudou no Colégio Diocesano de Garanhuns do Admissão ao Científico onde concluiu em 1968. Reside em São Paulo desde 1970. É Licenciado e Bacharel em Química Industrial pela Universidade de Guarulhos e Químico Industrial Superior pelas faculdades Osvaldo Cruz - SP.

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