Pareceu-nos da maior importância cultural a iniciativa do então prefeito de Garanhuns, Ivo Amaral, fazendo reeditar o livro de Luís Jardim, "Maria Perigosa".
Existe um pouco de Maria Perigosa na Gabriela, de Jorge Amado. Talvez naquele "dengue que amolecera tanta natureza de homens"; talvez "naquele milagre estranho de cheirar tão bem como as flores do campo; talvez naquele "cheiro bom de fruta madura". Evidentemente, guardadas as proporções sociais entre uma Gabriela das terras ricas de cacau de Ilhéus e uma Maria Perigosa das terras cansadas de café da "célebre e misteriosa Mata de Brejão".
De regiões diferentes, tiveram também Maria Perigosa e Gabriela, Cravo e Canela, destinos diferentes. Gabriela depois de conhecer retirantes, coronéis e filhos de coronéis de cacau, terminou os seus dias com Nacib, revivendo uma história de amor, "de uma brasa dormida nas cinzas do peito". Já Maria Perigosa - que começara se vendendo por espelhinhos que refletiam o seu belo sorriso de dente de ouro - terminou sozinha, oferecendo-se aos meninos do Brejo das Flores, trocando um resto de amor por um resto de beleza; trocando por um resto de amor todo o patrimônio de que dispunha: cinco tostões e um apito de soldado. Por fim e no fim, Maria Perigosa - um espectro do que já fora - propôs trocar a sua vida pelo último momento de amor. De que valeria para Maria Perigosa - desgrenhada, desfigurada e sozinha - aquele resto de vida. Tida como doida, ela que endoidecera tanto homem. Ninguém se lembrava mais do seu dente de ouro sonho e perdição da sua vida.
Após reler este livro, relemos também o artigo que publicamos no "DIÁRIO" sobre a passagem do escritor por Garanhuns, quando lá nos encontrávamos como prefeito. "Ele chegou à noitinha, cansado, como que perdido no caminho da volta. Não avisou a ninguém, não disse quem era. O menino que deixara sua cidade há tantos anos, estava encanecido e aliviava numa bengala o peso de sua emoção. Tivesse avisado, teria certamente as homenagens da cidade com crianças e bandeirinhas nas ruas. Não seria propriamente uma homenagem a um figurão qualquer; seria a forma da própria cidade se redimir porque, num momento de ódio e de incompreensões entre grupos políticos, expulsara o menino, agora escritor consagrado, que não esquecera a sua cidade nos seus livros - a única maneira que encontrei de permanecer nela".
Mas daquela vez só houve tempo, para subirmos a um morro nevoento e ele com a cidade a seus pés, como se fora um presépio, riscando o céu com a bengala, nos mostrou, à sua mulher Alice e a mim, as estrelas; as mesmas estrelas que no seu tempo iluminavam a Rua do Porto da Folha, a estrada do Tio Gonzaga e a Vila Regina - lugares que ele recordou nos seus romances.
A paisagem de Brejo das Flores também jamais saiu do pensamento de Luís Jardim. Foi lá que os meninos armaram com Jesus o Circo Arco-Íris do seu livro "Proezas do Menino Jesus", do qual disse Tristão de Atayde em carta ao autor: "Não reconheço ninguém ou obra da literatura universal que fizesse o que você fez. E a fez com tanta naturalidade com tanta simplicidade, com tanta cristandade, "que nem parece saída da pena de uma criatura humana". Palavras, evidentemente, que consagram a criatura e o criador, ou seja, o autor e o livro.
Luís Jardim, como o Menino Jesus do seu livro, "ia sozinho ao Brejo das Flores. Gostava de andar por ali, vendo as coisas bonitas as que haviam lá. O verde de mil verdes e outros verdes que o verde não tem".
Era aquele verde que o menino triste quis conversar para sempre nos seus olhos - olhos que também viram cenas de pavor na Hecatombe de Garanhuns. O verde da paisagem do Brejo das Flores, onde "tudo era encanto, quer no inverno, quer no verão".
*Prefeito de Garanhuns, deputado estadual, secretário de estado e escritor / Recife, agosto de 1984.
Fotos: (1) - Luís Jardim. (2) - Feira de Garanhuns - Seus vendedores de comidas, seus animais e barracas. Ilustração de Luís Jardim para a "Revista de Garanhuns".
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