terça-feira, 1 de agosto de 2023

Memórias do Monsenhor Adelmar Valença - Parte XIV

Monsenhor Adelmar da Mota Valença

24 de fevereiro de 1931  - Terça-feira - Dia feliz da minha entrada para o Seminário. Pela manhã, fui, com Anita e Eunice, à Boa Vista, onde ouvi missa por Agobar, confessei-me, comunguei e fiz o propósito de comungar todos os dias. Chorei. Era a minha despedida do mundo. Arrumei minha mala, aquela mesma que, com tanto carinho, eu comprara lá na Bahia, pensando na alegria da minha chegada em Garanhuns. Meus pais e quase todos os irmãos estão em São Pedro, não podendo, portanto, assistir à minha saída para o Seminário. Não tive coragem de vir durante o dia. Temia a hora e procurei adiá-la para a hora do crepúsculo. Uma timidez imensa me invadia. Teria recuado, se não tivesse vocação.

NOVA VIDA

Daquela querida casa da rua Santo Antônio nº 208, após a ceia, já escurecendo, saí com Arlinda e Almira. Vagarosamente, dobramos pela rua Santos Dumont e, depois, subimos pelo beco que sai por trás da Rotunda. Aqui cheguei com o coração rasgado. Minha impressão era horrível: parecia-me ir para um túmulo. Padre Godói, que nos recebeu amavelmente. Depois que minhas irmãs saíram e os seminaristas subiram, fui para aquele quartinho do meio, junto à Capela. O bom Tarcísio trouxe-me um jarro e uma bacia que eu não tinha trazido. Só amanhã é que verei os seminaristas. O que foi esta primeira noite no Seminário, só eu sei dizer: sentia uma paz imensa. Estou satisfeito. Sempre fui assim: quando queria uma coisa, havia de alcançar! Tive duas vidas. Aqui, nesta noite de 24 de fevereiro de 1931, terminou a primeira. Estou começando a segunda. Que o bom Deus, com seu coração magnânimo, me perdoe e me conceda sofrimentos, para que possa reparar todo o mal que, na primeira vida, pratique!

7 de março de 1931 - Sábado- Dia da minha recepção de batina. Por conselho de Arlinda, deixei para recebê-la hoje, festa de São Tomás de Aquino. Consagrei-me a ele. Recebi-a, às 6 e 30 da manhã, na capela do Seminário, antes da missa, tendo sido benta pelo Padre Godói. Tarcísio foi o paraninfo. A vergonha que senti, só Deus sabe imaginar. Espero apagar meus pecados com tão grandes sacrifícios. A 30 de outubro de 1930, vesti luto pela primeira vez; hoje, substituo esse luto pela batina preta que, com alegria, vestirei até o fim da vida. Vieram assistir à cerimônia Alcina e Anita. Alcina ofereceu-me um rico tinteiro e uma caneta; Anita, uma medalha de prata de Santa Teresinha; Arlinda, uma caderneta com este oferecimento: "Dé. A ti, no dia de hoje, para todas as tuas notas, a partir de 24 de fevereiro até... oferece Arlinda". Este até, com reticências, comoveram-me muito: em breve, será completada a frase com o dia da minha morte.

12 de março de 1931 - Quinta-feira - Dia em que, após o jantar, fui nomeado pelo Padre Godói, prefeito do Seminário. Vim para ser dirigido e já começo a dirigir. Seja feita a vontade de Deus! Tenho a cabeça a estalar: assisti a uma sessão da Academia Dom Moura, na qual leram um voto de pesar pela morte de Bá e chorei muito. Pobre irmão! Seu nome é sempre lembrado aqui neste Seminário! Sua bondade lhe imortalizou o seu saudoso nome.

30 de agosto de 1931 - Domingo - Dia da morte de Ivandro. Era para mim um legado, uma relíquia do meu querido irmão. Fui, com Padre Godói, às 7 e meia da noite, ver o seu corpo ainda quente. Tenho, no céu, um anjo que velará por mim! Padrinho de um anjo!

23 de novembro de 1931 - Segunda-feira - Dia das férias do fim do ano. Fiz exame de Latim 4º ano, no dia 14, e de Religião, no dia 18, passando com plenamente 7 e 9. Estudei, durante o ano, Latim 3º ano, assistindo, espontaneamente, às aulas de Latim 2º e 4º anos. Mas apresentei-me para o exame do 4º ano. Fui professor de Aritmética 1º e 2º anos, Francês e Português 1º ano e, no 2º semestre, Latim 1º ano, com dezesseis aulas semanais. As férias de São João foram de 16 a 30 de junho;  passei-as quase todas em São Pedro. O Seminário teve dezenove alunos: José Rosa, Luís Lira, Otoniel Passos, Murilo Conti, Osvaldo Medeiros, Joel Morais, Antônio Carneiro, Antônio de Barros, Delecarlindo Alexandre, Arlindo Tenório, Edésio Maciel, Reginaldo Vieira, Adalberto Martoreli, Mário Vieira, Luís Patriota, Augusto Holanda, José Bezerra, José Mousinho e eu. Destes, quantos se ordenarão? Sei que alguns, certamente, não voltarão em 1932.

Fonte: O Diocesano de Garanhuns e o Monsenhor Adelmar de Corpo e Alma / Manoel Neto Teixeira 1994.

Foto: Monsenhor Adelmar da Mota Valença.

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