Às vezes, andando, dava pontapé nos tais despachos que encontrava pela manhã, deixando escandalizadas as pessoas que me viam fazendo isso. Em setembro, depois de dois anos e meio fora de casa, comecei a pensar em voltar, sobretudo porque a saúde de minha mãe me tirava todo o sossego. E, no dia 20, escrevi a Agobar sobre isso. Respondeu-me imediatamente, no dia 24, mandando 100$000 pelo Banco do Brasil, avisando que me esperaria na quinta-feira, 2 de outubro. Foi essa a última carta que me escreveu, pois um mês depois, estava morto. Como eu queria deixar tudo direitinho, com a escrita do Banco em dia e o balancete organizada, respondi que só iria no dia nove de outubro. Rebentou a revolução, no dia 4 de outubro.
Impressionaram-me as depredações e queimas de bondes. Aconselharam-me a não embarcar. Todos os navios ficavam detidos no Porto. Procurei, por todos os meios, telegrafar, avisando o adiamento da viagem, mas os telégrafos estavam interrompidos. É incrível que, poucos dias antes, eu sonhara com uma coisa parecida com revolução. No dia 10 de outubro, acordei-me chorando, pois sonhara com minha mãe abraçando-me e minhas irmãs de luto. No dia seguinte, outro sonho semelhante a esse. Impressionado e com um pressentimento de que minha mãe tivesse morrido, contei tudo a D. Isabel, manifestando o desejo de vir embora por terra. Ela tranquilizou-me, dizendo que eu não devia acreditar em sonho. E eu, também, não queria acreditar. No entanto, naquele mesmo dia, Agobar era operado.
No dia 16, D. Isabel e as filhas foram para Catu e, como Ismael me pediu, fui para casa dele, no dia seguinte. Numa dessas noite, preparava-me para deitar quando chega Ismael, assombrado com um rumor que tinha ouvido. Não tinha coragem de voltar, mas, se eu quisesse, fosse olhar o que era. Não fui, mas tive medo, nem dei importância ao caso.
No dia 22, morria Agobar e eu, infelizmente, de nada sabia, nem sentia mais os pressentimentos dos dias anteriores. Se, às orações e penitências de meus pais e irmãos, tivesse eu acrescentado as minhas, ele não teria morrido. No domingo, 26, à noite, Ismael mostrou-me um telegrama de meu pai, nestes termos: "Avise urgente motivo demora Adelmar Emília bem". Sorri. Recebera, finalmente, notícias de minha mãe, com quem eu, desde aqueles sonhos, me preocupava muito. Quanta coisa diziam aquelas palavras e eu não adivinhava.
No dia 28, às 9 horas, trabalhava, satisfeito, no Banco, quando entra Ismael com três telegramas dos dias 11, 12 e 14: "Agobar operado grave - Agobar gravíssimo - Fora perigo". Foi horrível o choque. Ismael escondera o telegrama da morte. Passei o dia e a noite na maior inquietação e raciocinava assim: "Se o telegrama do dia 26 nada dizia sobre Agobar é porque ele morreu ou ficou bom de repente". Insisti com Ismael por notícias e ele me garantiu que telegrafara. Realmente, telegrafara dando os pêsames.
No dia 29, ouvi missa por Agobar, caso ele tivesse morrido. Fui para o Banco. Às 9 horas, o Sr. Pedrão chega e me dá a triste notícia. Ali, debrucei-me sobre a mesa e, durante duas horas, chorei. Em seguida, fiz a conta do caixa, preparei tudo direitinho e entreguei as chaves. Com o ordenado, deram-me 150$000 de gratificação. Fiquei devendo 250$000 que, depois, foram liquidados com as ações do Banco que eu tinha. Despedi-me. O sr. Pedrão e o filho, Jorge, ficaram chorando. No quarto, sozinho, coloquei o retrato de Agobar sobre o móvel e, ajoelhado, chorei muito.
Mandei tingir minhas roupas e, no dia seguinte, vesti luto pela primeira vez na vida. Para a minha volta para Garanhuns, eu tinha feito um jaquetão branco e comprara um chapéu de palhinha; ficaram para Amílcar. Comunguei naquele dia 30 e encontrei pessoas que tinham vindo de Garanhuns, como soldados da revolução; deram-me os pêsames, fazendo-me ficar, ainda mais, certo da realidade. Havia um navio para o Norte, que sairia no dia 31. Era o 2º depois da revolução, mas de nada eu sabia quando o primeiro saiu.
Ismael restitui-me 100$000 dos 862$100 que, de janeiro de 1929 a outubro de 1930, em 14 vezes, me pedira; 66$000 foram pedidos por Rafael. Era muito para o pouco que eu ganhava, mas nunca deixei de atender, servindo como uma retribuição pelos dias que eu passara em sua casa, pela sua bondade e pelos exemplos de fé e piedade que sempre me deu. Comprei a passagem pelo navio Itagiba e fui para bordo, às 9 e meia da noite do dia 31. Partimos à 1 hora da madrugada; já era 1º de novembro! Acabrunhado, eu fui para o convés, vendo desaparecer dos meus olhos a já querida Bahia, testemunha dos meus trabalhos e sofrimentos durante os dois anos e treze dias que ali passei, coroados com as minhas angústias pela morte de Agobar! De um lado, a cidade iluminada que desaparecia e, do outro, a lua que se punha no mar! Antevia a minha chegada em Garanhuns.
Fonte: Diocesano de Garanhuns e Monsenhor Adelmar de Corpo e Alma do escritor Manoel Neto Teixeira.
Foto: Monsenhor Adelmar da Mota Valença em celebração na capela do Colégio do Arraial.
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