terça-feira, 1 de agosto de 2023

Histórias de Garanhuns


João Correia Filho* (foto) | Roraima, 23 de dezembro de 1978

Numa tentativa de fugir um pouco do turbulento derredor, volto-me, numa contemplação por demais gratificante, para a Musa sempre inspiradora de gerações de ontem e de hoje, da qual nunca será dito ou escrito demais, posto que, enriquecida e privilegiada pela própria natureza, é fonte inesgotável para  a pena de intelectuais, poetas, escritores, bem como de saudosistas, como eu, que a despeito de não possuir prendado estro, esforço-me para transmitir também aos conterrâneos das gerações mais novas tudo de mais belo e peculiar que nela vi, vivi e aprendi.

Em minha avaliação de sua grandeza e valores, parto da beleza e magnitude que ela representa na atualidade e vou retrocedendo para épocas de menor esplendor, deparando-me com figuras que ajudaram a plasmá-la e a projetá-la além de suas fronteiras, entesourando em seu folclore estórias de mirabolante sabor.

Há os que nasceram em seu regaço acolhedor, mas há também, entre inesquecíveis filhos seus, muitos que vieram dos vizinhos campos e engenhos, impregnados de bucolismo e de sabedoria popular, vultos que se identificaram com a vocação de grandeza nela emergente e vieram a tornar-se construtores e cultores da exuberante cidade que ela é hoje.

A cidade, "onde o Nordeste garoa", como já disse Onildo Almeida e Luiz Gonzaga cantou, nasceu entre colinas, transpôs o leito de vales e se projetou através de enseadas em circunvoluções maravilhosas, banhada por suas fontes de águas cristalinas e envolvidas por  um dos melhores climas do país, marca de predileção da natureza que a quis livrar do tropicalismo reinante na região nordestina. Graças ao privilégio climático, ao bom gosto e à índole laboriosa de seu povo, Garanhuns tornou-se uma cidade uma cidade de  jardins multicores, celeiro das mais variadas e saborosas frutas, centro de atração turística, de renomados colégios e de cultura.

Há pouco tempo atrás, deleitava-se com a leitura de um número de O MONITOR, especificamente em seu artigo intitulado VULTOS DA CIDADE. Pelo meio da página encontrei, em letras garrafais, o nome de uma insigne figura, amante de nossas coisas e expressão inolvidável de nossa cultura popular: Arcelino de Figueiredo Matos.

Quem não se recorda de "Seu Matos", estabelecido em Garanhuns em a Loja "A ATRATIVA", empório de miudezas em um prédio da Avenida Santo Antônio, esquina com Dom José? A sua loja, como Armarinho da época, era, talvez, o maior nesse ramo. O prédio de dois andares era bastante espaçoso, funcionando a loja propriamente dita no térreo, com vitrines bem arrumadas e fascinantes exposições de rádios, relógios, lanternas, um sem número de artigos que bem justificavam o nome - A ATRATIVA. No primeiro andar, funcionava o depósito, com grande estoque de mercadorias  e, o 2º, amplo dormitório de Seu Matos e seus fiéis empregados, que eram por ele tratados como familiares,  constando, inclusive, que era solteiro. Sua loja foi a mais bonita da época e progrediu bastante, graças às exímias qualidades do vendedor que era Seu Matos, valendo ressaltar que ainda não se fabricava no Brasil, mas Seu Matos vendia belos rádios importados da Holanda, os famosos rádios "Philips", que ele sabia sintonizar como ninguém e que enchia de música e de notícias as noites de céu azul e de milhões de estrelas cintilantes, ou de luar embevecedor e  convidativo para as serestas e para o amor.

A caça e a pesca faziam também parte do "hobby" de Seu Matos. Dessa sua versatilidade existencial, ficaram para a memória e saudades de seus pósteros muitas e mirabolantes estórias, frutos de sua  mente fértil e espirituosa e que não foram esquecidas até hoje, constituindo-se, sem dúvida, num cabedal de apreciável riqueza para o folclore de Garanhuns. 

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