sábado, 12 de agosto de 2023

Heróis anônimos


Clovis de Barros*

São Paulo (SP) - Morar numa vila com pouco mais de mil habitantes e relativamente longe da cidade grande não é fácil. Não há infraestrutura, nem diversão, o comércio é fraco só para subsistência, não há médicos, dentistas, nada. Mais o povo consegue sobreviver usando a criatividade improvisando e substituindo os profissionais por pessoas criativas, inteligentes verdadeiros heróis anônimos. E era exatamente isso que acontecia quando passei minha infância na Prata. Havia heróis anônimos e artistas que minimizavam a falta de profissionais. Me lembro muito bem do Alfaiate figura hoje em extinção. O alfaiate era Seu Júlio que com sua velha máquina de costura Singer produzia peças que eram verdadeiras obras de arte. Você era medido de cima a baixo todas as medidas eram tiradas rigorosamente o que garantia uma calça, um paletó,  ou camisa da mais alta qualidade. O bom mesmo era ir lá acompanhar o andamento do trabalho. Seu Júlio não se importava ia fazendo as encomendas devagar. Os pedidos demoravam à vezes meses mais valia à pena ver o produto final. Outra pessoa muito querida e que prestava um ótimo serviço era o sapateiro Lola. Além dos consertos, Lola era um mestre na produção de alpercatas de couro amarelo com costuras que formavam bonitos desenhos. Desfilar com uma daquelas alpercatas personalizadas era o máximo. E o que não dizer do seu João dos Santos, o dono da Farmácia. Seu João fazia de tudo menos claro, cirurgias. Mais pequenos curativos e fórmulas fitoterápicas era com ele. Entrar na Farmácia era como entrar num laboratório. O cheiro de remédio era forte e havia de tudo ali para curar ou amenizar a dor de quem o procurava. E o marceneiro? O marceneiro era o Sr. Viterbo especialista em cadeiras, mesas e banquinhos de sentar. Suas peças eram bonitas e bem trabalhadas. Havia também o eletricista que fazia reparos na rede elétrica ou nas casas. O eletricista era Zominho casado com minha tia Maria um sujeito muito inteligente. Se você necessitasse urgente de uma ferramenta não haveria problemas. Era só ir à oficina do Sr João Justo, o Ferreiro. Lá, as peças eram forjadas no fogo a carvão ativado pelo fole de lona. A visão do Seu João Justo trabalhando naquele calor atiçando as brasas no fole mais o som provocado pelas peças sendo moldadas na bigorna era assustador. No entanto, ele fazia da profissão um meio de vida do qual se orgulhava. Não poderia deixar de falar do contador de causos e gosador Manoel Viegas e sua companheira Pureza. Manoel Viegas era um poeta infelizmente bebia muito e em qualquer lugar que fosse sempre tinha ao lado sua fiel companheira Pureza que não dispensava um garrafa de um bebida que era uma mistura de cachaça com erva-doce. Os dois animavam as tardes da vila contando causos e recitando poesias e cordel improvisado. 

Não poderia deixar de citar o Seu Mendes o dono do cartório. Foi lá que aprendi datilografia de graça em troca da arrumação de livros e limpeza das máquinas de datilografia, as magníficas máquinas Remington. Além de limpar as máquinas e cuidar de arquivar livros do cartório, me sobrava tempo para ler grandes obras como a Ilíada, Odisseia e a Eneida. As mulheres também tinham um papel importante na vida das pessoas na vila. A Parteira uma bonita  negra chamada Maria do Pau Ferro que inclusive fez o parto desse que vos escreve. Ela certamente com sua habilidade fez o parto de centenas de pessoas na Vila. Dona Regina Lucena além de ótima cozinheira, era uma doceira de mão cheia sua especialidade era a buchada, sarapatel, peru recheado e os assados. Porém, os doces de caju em compota eram bom demais. Nos finais de ano Dona Regina se desdobrava para atender os pedidos. Todas essas pessoas marcaram um época, deram o melhor de si para a nossa sociedade. Verdadeiros heróis de nossa pequena comunidade.

*Clovis de Barros filho nasceu na Serra da Prata (Iatecá) - PE. Estudou no Colégio Diocesano de Garanhuns do Admissão ao Científico onde concluiu em 1968. Reside em São Paulo desde 1970. É Licenciado e Bacharel em Química Industrial pela Universidade de Guarulhos e Químico Industrial Superior pelas faculdades Osvaldo Cruz - SP.

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