Filha de um das mais importantes famílias de Garanhuns, recordo dona Izaura na sala de aulas do curso de admissão, no velho Ginásio Diocesano, onde de início da década de 1940, ministrava ensinamentos além dos didáticos, despertando em seus alunos o interesse pelo saber da cultura geral.
Delicada no trato porém enérgica como ela só, evoco dona Izaura repreendendo Jácomo Schettini, o grandalhão da turma, quando não levava a lição de casa de acordo com a aula dada dia anterior, e, não apenas Jácomo, mas, igualmente, seu sobrinho Pedro - filho de Chico "Miricia" -, quando borrava o caderno com a tinta daquelas canetas rudimentares do nosso tempo. A mestra com o seu olhar repreensivo nos era suficiente não só no ensinamento, mas também na educação escolar, que, segundo, tornava-se complemento da que devíamos trazer da família, das regras ditadas pelos nossos pais.
Era comum que a maioria das professoras, de vez em quando, chamassem pelo "socorro" do padre Adelmar para impor a necessária autoridade perante os alunos. Mas dona Izaura pouquíssimas vezes socorria-se do padre, de vez que ela própria nos imprimia ordem e respeito apenas com um bater de régua na carteira, e, quando suavemente, com o seu altaneiro olhar de repreensão.
Sua competência na instrução do ensino era comentada em toda a cidade, não apenas no Ginásio, onde lecionava, mas também no Colégio 15 de Novembro - o outro colégio - e no Santa Sofia, que àquela época, dirigindo por Madre Verônica, somente matriculava as meninas e moças da nossa comunidade. Quem passasse pelo curso de admissão de dona Izaura poderia ter a certeza de que sabia, e que o curso ginasial seria basicamente bem feito. Dona Izaura foi a professora que mais reprovou alunos ao tempo do meu mundo de menino. O seu curso de admissão era mais severo do que hoje em dia.
Sem qualquer exagero posso aqui proclamar que a minha maior base didática foi adquirida no curso de admissão de dona Izaura, e, depois, muito depois, no autodidatismo que pratiquei pela vida adora, inclusive nas redações dos jornais, sempre recordei uma lição, uma aula, uma passagem de cultura e de civilidade que Deus me tornou possível aprender com dona Izaura.
Que saudades sinto da dona Izaura; saudades, no sentido interpretativo de "cumprimentos, lembranças afetuosas dirigidas a pessoas ausentes"; saudades do meu mundo de menino em Garanhuns, onde a querida mestra foi um personagem importante na minha formação de jovem estudante.
Outro dia, justamente com Jácomo Schettini, próspero comerciante de auto peças no Rio de Janeiro, no bairro de Bonsucesso, falamos durante bom tempo dos bons tempos do curso de admissão do dona Izaura... Relembramos o tinteiro amarrado por um barbante, as penas e as canetas, as folhas de mata-borrão, os cadernos e os livros que os nossos pais compravam na Livraria Escolar, de Manoel Gouveia, pegada à casa de ferragens de Ferreira Costa. Jácomo dizia-me com grande franqueza: "Olha, Rinaldo, a matemática que hoje sei não é outra senão a aprendida com dona Izaura; com a conta de multiplicar que ela ensinou, a duras penas, foi que consegui o florescimento dos meus negócios".
Este depoimento singelo e espontâneo de Jácomo é todo ele um atestado eloquente do quanto para nós representou o curso da admissão da inesquecível mestra; na crônica de hoje faço coro com o meu contemporâneo: o que escrevo agora, outrora ganhando o pão como profissional, aprendi ainda nas aulas de português ministradas por dona Izaura. Nossa base de instrução foi uma professora de nome Izaura Gonçalves de Medeiros.
*Rinaldo Souto Maior / Jornalista e historiador / São Paulo, 17 de Agosto de 1985.
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