sábado, 8 de junho de 2024

Waldimir Maia Leite e o ofício da busca


Manoel Neto Teixeira* | Garanhuns

Entre os valores que Garanhuns exportou para as várias regiões do Brasil, nos campos jornalismo e da literatura, ao longo do século XX, destaca-se o poeta e escritor Waldimir Maia Leite (1925-2010), autor de O Ofício da Busca (e outros ofícios), edição 1978, Companhia Editora de Pernambuco - CEPE.

Redator do Diário de Pernambuco e o primeiro Assessor de Imprensa da recém criada Sudene, início dos anos 60, Waldimir Maia Leite destacou-se no dia-a-dia do jornalismo e, logo mais, na literatura, como contista e poeta. Eleito para a Cadeira 38 de Academia Pernambucana de Letras, foi distinguido com o Prêmio Recife de Humanidades/75, de Contos, instituído por Francisco Matarazzo.

Compondo as "orelhas" de O Ofício da Busca, o também jornalista e poeta César Leal, então editor do Suplemento Literário do Diário de Pernambuco, salienta que, "dificilmente alguém poderá negar a força expressiva da poesia de Waldimir Maia Leite. O domínio técnico da expressão associa-se a uma sensibilidade singular que não pode passar despercebida aos melhores e mais competentes leitores da poesia moderna".


Fizemos - eu, com Descaminhos da Universidade, e ele, com O Ofício da Busca - o lançamento conjunto, em Garanhuns, das referidas obras, em concorrida e histórica sessão realizada no Centro Cultural Alfredo Leite Cavalcanti, sob a presidência do então prefeito Ivo Amaral, naquele dez de janeiro de 1981.

Trocamos abraços e dedicatórias, dele para mim: "Ao Manoel Neto, grande jornalista, amigo de Garanhuns, companheiro do Diário de Pernambuco e de letras, um abraço de Waldimir - 10.01.1981.

Na mesma página do autógrafo, ele diz:

Em mim, o escrever (poesia) é ato de tortura.

Duro ofício de busca".

Ainda com  a palavra o crítico César Leal, concluindo sua análise sobre O Ofício da Busca, salienta: "Referindo-se à poesia de William Blake, Eliott escreveu que nela havia nada de mórbido, anormal ou perverso. Podemos dizer o mesmo de Waldimir Maia Leite, um poeta consciente de suas próprias forças, um homem que sabe não haver superioridade de um poeta sobre outro, pois os verdadeiros nunca são iguais: são diferentes. Além disso, todos recordam a lição do maior crítico deste século - Ernest Robert Curtins - quando disse que "O jardim das formas poéticas possuem muitas flores".

O autor inicia sua obra com três poemas (I, II e III), sob o mesmo título: O Ofício da Busca:

(I): Carrego nos ombros meus instrumentos

De trabalho: a  palavra e a alma.

Todos os dias saio para a tarefa.


Sob sol ou chuva, o ofício.

De manhã e à tarde, o uso

Dos instrumentos fundamentais.


Mãos calejadas já tenho,

No árduo ofício, duro

Labor da alma e da palavra.


À noite, recolho-me com

Os instrumentos, tendo à mão

A obra sempre inacabada.

Iniciava eu a labuta como repórter do Diário de Pernambuco, 1967, ainda estudante do curso superior de Comunicação Social (Jornalismo) na Universidade Católica de Pernambuco, sob a coordenação do inesquecível Padre Mosca de Carvalho, que tinha como secretária a jovem Wânia Nóbrega, hoje, minha companheira, quando tive o privilégio de conhecer pessoalmente o também garanhuense Waldimir Maia Leite, que já estava no Recife há algum tempo. Ele, então editor da primeira página do DP, que se compõe basicamente de síntese das principais notícias e reportagens de cada edição, além das últimas notícias do dia remetidas pelas agências e correspondentes.

No livro Garanhuns - Álbum do Novo Milênio (1811-2016), incluímos um poema de Maia Leite, no capítulo sobre as praças, pgs. 168/169, com o seguinte registro:

"Praça João Pessoa: aqui foi construído um pedestal em homenagem à cidade, iniciativa do ceramista Francisco Brenand e participação dos restauradores Maurílio Matos e Ricardo Notaro, com um poema de Waldimir Maia Leite, que vivera parte de sua infância brincando neste local, sob o título O RESSURGENTE:

Ressurgente homem,

Para protege-la

Os cabelos brancos

Interpretam nela

Mineiro alumbramento

Com o tempo que 

Os braços do homem

Feito e instantes (feito)


À praça, a de nome

João Pessoa, 

Cidade de Garanhuns.

Agreste Pernambucano.


Mil crianças outras

Diferentes em imagem.

Dos braços fugitivos

Envolvendo o (vago)

O úmido corpo

Da estatuazinha nua.

Mineiro alumbramento

Do menino que foi.

Os separa em vales.

Dos caminhos do mundo.


O banco ao fundo.

À espera de duas pessoas

O menino e a menina,

(a estatuazinha nua)


Que a vida separou.

Famintas e carentes.

A perna direita

De agora homem.

Escondendo o sexo

Juvenil da estatuazinha

Que o tempo

Não desvirginou.


A perna direita

Do homem: a imagem

Redescoberta agora,

Da estatuazinha nua.

Ela, ainda menina.

Ele, entretanto, adulto.

Homem simples, conversas curtas, com ar  de quem estava sempre a meditar. Sua poesia reflete a própria visão de mundo (exterior e interior), o finito da condição humana, conforme se depreende com a leitura de O Abscôndito:

É no meu íntimo

Onde me escondo:

Enconchar para não

Me sentir; e não ser.

Minha face interna

(concha ou córneo?)


Terei espasmos, se me

Se partirem, o calcário

Que faz o invólucro?

Molusco fui antes

(de homem ser). Molusco

Quero ainda perdurar.


De madrepérola é.


Preciso urgente, eia!

De quem de mim faça

Trabalho artesanal:

que me torne botão

Adorno qualquer.

Molusco fui,

Concha sou.

Meu íntimo todo,

Botão de madrepérola é.

Seu livro compõe-se dos seguintes poemas: Ofício da Busca (I, II, III), ofício de renascer, ofício do semeador, ofício do artesão de sonhos, ofício da verticalidade, ofício do entardecer, hamletiana, por-de-sol em aquário, a drágea, a minha parte indivisível, quase epitáfio, do tempo (que desgasta), encontro com Jeanne, o rosto, balada do peixe morto, em giroscópio, a cremação do vivo, poema das (todas) horas estivais, mar, poema glacial, caminho, o abscôndito, canção de búzio, as batalhas (do ser), última epístola aos gálatas, os começos, afluente, balança, imagem, silêncio e sangue, vendavais, a perda, amanhecer.

Editado pela Companhia Editora de Pernambuco - CEPE, com ilustrações de M. Margot, obra que está a reclamar uma nova edição, posto que a boa poesia transcende o tempo.

(Manoel Neto Teixeira, autor, entre outros títulos, da série MULTIVISÃO, com dez volumes, é membro da Academia Olindense de Letras). Texto transcrito da Revista Cultural O Século de Maio de 2024 - Editada por João Marques dos Santos.

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