Manoel Neto Teixeira* | Garanhuns
Entre os valores que Garanhuns exportou para as várias regiões do Brasil, nos campos jornalismo e da literatura, ao longo do século XX, destaca-se o poeta e escritor Waldimir Maia Leite (1925-2010), autor de O Ofício da Busca (e outros ofícios), edição 1978, Companhia Editora de Pernambuco - CEPE.
Redator do Diário de Pernambuco e o primeiro Assessor de Imprensa da recém criada Sudene, início dos anos 60, Waldimir Maia Leite destacou-se no dia-a-dia do jornalismo e, logo mais, na literatura, como contista e poeta. Eleito para a Cadeira 38 de Academia Pernambucana de Letras, foi distinguido com o Prêmio Recife de Humanidades/75, de Contos, instituído por Francisco Matarazzo.
Compondo as "orelhas" de O Ofício da Busca, o também jornalista e poeta César Leal, então editor do Suplemento Literário do Diário de Pernambuco, salienta que, "dificilmente alguém poderá negar a força expressiva da poesia de Waldimir Maia Leite. O domínio técnico da expressão associa-se a uma sensibilidade singular que não pode passar despercebida aos melhores e mais competentes leitores da poesia moderna".
Trocamos abraços e dedicatórias, dele para mim: "Ao Manoel Neto, grande jornalista, amigo de Garanhuns, companheiro do Diário de Pernambuco e de letras, um abraço de Waldimir - 10.01.1981.
Na mesma página do autógrafo, ele diz:
Em mim, o escrever (poesia) é ato de tortura.
Duro ofício de busca".
Ainda com a palavra o crítico César Leal, concluindo sua análise sobre O Ofício da Busca, salienta: "Referindo-se à poesia de William Blake, Eliott escreveu que nela havia nada de mórbido, anormal ou perverso. Podemos dizer o mesmo de Waldimir Maia Leite, um poeta consciente de suas próprias forças, um homem que sabe não haver superioridade de um poeta sobre outro, pois os verdadeiros nunca são iguais: são diferentes. Além disso, todos recordam a lição do maior crítico deste século - Ernest Robert Curtins - quando disse que "O jardim das formas poéticas possuem muitas flores".
O autor inicia sua obra com três poemas (I, II e III), sob o mesmo título: O Ofício da Busca:
(I): Carrego nos ombros meus instrumentos
De trabalho: a palavra e a alma.
Todos os dias saio para a tarefa.
Sob sol ou chuva, o ofício.
De manhã e à tarde, o uso
Dos instrumentos fundamentais.
Mãos calejadas já tenho,
No árduo ofício, duro
Labor da alma e da palavra.
À noite, recolho-me com
Os instrumentos, tendo à mão
A obra sempre inacabada.
Iniciava eu a labuta como repórter do Diário de Pernambuco, 1967, ainda estudante do curso superior de Comunicação Social (Jornalismo) na Universidade Católica de Pernambuco, sob a coordenação do inesquecível Padre Mosca de Carvalho, que tinha como secretária a jovem Wânia Nóbrega, hoje, minha companheira, quando tive o privilégio de conhecer pessoalmente o também garanhuense Waldimir Maia Leite, que já estava no Recife há algum tempo. Ele, então editor da primeira página do DP, que se compõe basicamente de síntese das principais notícias e reportagens de cada edição, além das últimas notícias do dia remetidas pelas agências e correspondentes.
No livro Garanhuns - Álbum do Novo Milênio (1811-2016), incluímos um poema de Maia Leite, no capítulo sobre as praças, pgs. 168/169, com o seguinte registro:
"Praça João Pessoa: aqui foi construído um pedestal em homenagem à cidade, iniciativa do ceramista Francisco Brenand e participação dos restauradores Maurílio Matos e Ricardo Notaro, com um poema de Waldimir Maia Leite, que vivera parte de sua infância brincando neste local, sob o título O RESSURGENTE:
Ressurgente homem,
Para protege-la
Os cabelos brancos
Interpretam nela
Mineiro alumbramento
Com o tempo que
Os braços do homem
Feito e instantes (feito)
À praça, a de nome
João Pessoa,
Cidade de Garanhuns.
Agreste Pernambucano.
Mil crianças outras
Diferentes em imagem.
Dos braços fugitivos
Envolvendo o (vago)
O úmido corpo
Da estatuazinha nua.
Mineiro alumbramento
Do menino que foi.
Os separa em vales.
Dos caminhos do mundo.
O banco ao fundo.
À espera de duas pessoas
O menino e a menina,
(a estatuazinha nua)
Que a vida separou.
Famintas e carentes.
A perna direita
De agora homem.
Escondendo o sexo
Juvenil da estatuazinha
Que o tempo
Não desvirginou.
A perna direita
Do homem: a imagem
Redescoberta agora,
Da estatuazinha nua.
Ela, ainda menina.
Ele, entretanto, adulto.
Homem simples, conversas curtas, com ar de quem estava sempre a meditar. Sua poesia reflete a própria visão de mundo (exterior e interior), o finito da condição humana, conforme se depreende com a leitura de O Abscôndito:
É no meu íntimo
Onde me escondo:
Enconchar para não
Me sentir; e não ser.
Minha face interna
(concha ou córneo?)
Terei espasmos, se me
Se partirem, o calcário
Que faz o invólucro?
Molusco fui antes
(de homem ser). Molusco
Quero ainda perdurar.
De madrepérola é.
Preciso urgente, eia!
De quem de mim faça
Trabalho artesanal:
que me torne botão
Adorno qualquer.
Molusco fui,
Concha sou.
Meu íntimo todo,
Botão de madrepérola é.
Seu livro compõe-se dos seguintes poemas: Ofício da Busca (I, II, III), ofício de renascer, ofício do semeador, ofício do artesão de sonhos, ofício da verticalidade, ofício do entardecer, hamletiana, por-de-sol em aquário, a drágea, a minha parte indivisível, quase epitáfio, do tempo (que desgasta), encontro com Jeanne, o rosto, balada do peixe morto, em giroscópio, a cremação do vivo, poema das (todas) horas estivais, mar, poema glacial, caminho, o abscôndito, canção de búzio, as batalhas (do ser), última epístola aos gálatas, os começos, afluente, balança, imagem, silêncio e sangue, vendavais, a perda, amanhecer.
Editado pela Companhia Editora de Pernambuco - CEPE, com ilustrações de M. Margot, obra que está a reclamar uma nova edição, posto que a boa poesia transcende o tempo.
(Manoel Neto Teixeira, autor, entre outros títulos, da série MULTIVISÃO, com dez volumes, é membro da Academia Olindense de Letras). Texto transcrito da Revista Cultural O Século de Maio de 2024 - Editada por João Marques dos Santos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário