sexta-feira, 7 de junho de 2024

Feira de rua


João Marques* | Garanhuns

Sábado, a feira extensa na avenida larga, que vai de um extremo a outro, da igreja de Santo Antônio à igreja presbiteriana. Mais praça que avenida. Com jardins e os oferecimentos de uma boa praça. Passagens de ornamento da paisagem, escadarias, e uma atmosfera de sala de visita. No sábado, livremente, a feira tomava conta de tudo. E a sua presença era como se   desarrumasse uma casa. Por isso foi a feira retirada do espaço há anos. Ficou a alma - tudo tem alma no entendimento da poesia. E é por essa alma que a crônica  fala da feira, das tulhas de abacaxi, dos cestos de manga, de banana, das barracas, e de Zé de Dona vendendo quebra-queixo e oferecendo de graça um copo de água a cada cliente. Eu pedia um doce alvo, de coco, e ele botava num pedaço de papel, e dobrado, com o doce no meio, me entregava. Eu comia, como se mastigasse e saboreasse a feira. Zé de Dona, alto, eu o observava e via que olhava, com os olhos de açúcar, para o movimento em redor.

A população da feira era grande. O número de habitantes de uma cidade pequena, com todas as portas abertas. Menino, eu vendia caixas de fósforo. "3 destões" - 10 centavos da moeda de então, cruzeiro. E vendia, todo o sábado, 400 caixas de fósforo. Fumava-se muito e não existia ainda, na cidade, fogão elétrico ou a gás. Tinha de tudo, de um canto a outro. Frutas, verduras, o que se compra hoje nos supermercados, roupas, rapadura, e divertimentos, em modestas apresentações de artistas de rua. Dominguinhos, menino de calças curtas, tocando, com o irmão, sanfona e pandeiro. Não se pensava que a feira fosse chegar aos maiores palcos do País. 

Um amontoado de barracas de lona formava a vista, gente por todo lado, falando alto, fumando, muito à vontade, como se estivesse em casa. Pelo chão muita coisa, os lastros de mangaio, onde se via de cuia de cabaça a cabacinho, candeeiro e iguarias raras, da época. Não custava um tumulto de um corre-corre, de um pega ladrão. Um bêbado gritando, um homem já velho anunciando o que vendia: " Ói a pá véia, ói o caco véio!"...   Tudo ficou na lembrança.

A feira tinha um cheiro dela, tudo cheirava ali. E, agora, ao escrever,  me vem, leve, o cheiro característico, os sons, os altos falantes tocando e fazendo anúncios comerciais. Um dizia: "Baratinha, vem cá... Não vou lá, não! Tou vendo detefon na tua mão!" Uma saga, um tesouro que o tempo e a ferrugem não corroem em mim. A feira, o tempo de menino achando-se em meio da multidão e das coisas, para experimentar a vida em seus manifestos primeiros, os maiores da vida.

*João Marques dos Santos, natural de Garanhuns, onde sempre residiu, é poeta, contista, cronista e compositor.  Teve diversas funções nas atividades culturais da cidade: foi Presidente da Academia de Letras de Garanhuns, durante 18 anos, Diretor de Cultura do Município e, atualmente, é presidente da Academia dos Amigos de Garanhuns - AMIGA. Compôs, letra e música, o Hino de Garanhuns. Mantém, desde 1995, o jornal de cultura O Século. Publicou quatro livros de poesia: Temas de Garanhuns, Partições do Silêncio, Messes do azul e Barro.

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