quinta-feira, 6 de junho de 2024

Um monge beneditino

Da esquerda para a direita: Dom Jerônimo de Sá Cavalcante, Francisco Pessoa de Carvalho e Mons. Tarcísio Falcão. Inauguração da Rádio Difusora de Garanhuns em 1951

Dom Hildebrando de Melo | Mosteiro de São Bento - Olinda, 25/02/1978

Faz um mês que o Senhor chamou a seu Reino um monge beneditino estimadíssimo de todos os que conheceram: Dom Jerônimo de Sá Cavalcante. Enquanto monge, levou uma vida consagrada às práticas monásticas, dentro da clausura, e enquanto sacerdote levava ao mundo as riquezas da Palavra de Deus, através dos Meios de Comunicação Social, sobretudo da Imprensa.

Veio a morrer, em viagem, estando a caminho de Fortaleza, sua terra natal, onde iria realizar o casamento de uma sobrinha; fez uma parada em Aracajú, vindo a falecer, repentinamente, na madrugada de vinte e cinco de janeiro. À tardinha, seu corpo chegava a Salvador, sendo velado, durante toda a noite e dia seguinte, por monges e amigos, ao som de música gregoriana, em surdina, na Igreja abacial de São Bento.

A missa dos seus funerais demonstrou quanto ele era querido pelo povo baiano. A espaçosa Igreja de São Bento - internamente em estilo neoclássico - estava repleta, havendo mais de mil pessoas, naquela tarde de vinte e seis de janeiro, participando da celebração eu eucarística. O ataúde de Dom Jerônimo, circundado por dezenas de coroas de flores, estava posto no transepto, sob  majestosa cúpula da Igreja. O Cardeal Dom Avelar Brandão, oficiante principal da Eucaristia, teve ao seu lado, quatro bispos, o Abade, Dom Timóteo, cerca de vinte e cinco padres. No final da celebração, Dom Avelar usou da palavra. Destacou, com eloquência, a personalidade de Dom Jerônimo, chamando-o de homem da comunicação, de ideias abertas, corajoso, e que chegou mesmo a levantar problemas; e que a presença de Dom Jerônimo jamais poderia ser esquecida.

Iniciado o cortejo fúnebre para o jardim do Mosteiro, o ataúde foi transportado pelo povo, homens e mulheres, jovens e velhos, num sinal evidente de carinho do povo para com o monge morto.

Dom Jerônimo foi sepultado no jardim do Mosteiro, à sombra de uma grande árvore, numa área gramada. Todo esse ambiente verde exala esperança: Esperança e Ressureição. O desejo de Dom Jerônimo realizou-se, pois queria ser sepultado no Mosteiro. Os antigos monges da Congregação Beneditina brasileira eram enterrados no claustro de seus Mosteiros. Posteriormente, o governo proibia tal uso. Dom Jerônimo havia confidenciado, certa vez, a um amigo, esse seu desejo. Sendo esse seu amigo pessoa de prestígio junto ao Governador, transmitiu-se o grande desejo do monge falecido, e a resposta do Governador foi positiva, concedendo tal licença.

Dom Jerônimo era cearense. Seu nome civil: Heliomar. Aos seis anos de idade iniciou o curso primário, e aos doze, o Ginásio, no Crato. Com quinze anos, começou a preparação para a vida monástica, entrando para o Mosteiro da Bahia. Foi enviado ao Mosteiro do Rio de Janeiro para frequentar a Escola Claustral, destinada a meninos que ingressariam na Ordem de São Bento, e eram chamados de Oblatos, isto é, oferecidos ao serviço de Deus. Em 1933, recebia o hábito de noviço no Mosteiro de Salvador, sendo-lhe, então imposto um outro nome, como era de praxe, passando a chamar-se: Jerônimo; sendo São Jerônimo, "O Doutor máximo na exposição das Sagradas Escrituras", o seu padroeiro. No ano seguinte, fazia sua profissão simples, e três anos depois, a sua consagração monarcal solene. Em outubro de 1937, viajou à Alemanha para estudar Teologia, no Mosteiro de Beuron; ali, ordenou-se sacerdote, em 3 de julho de 1939. O jovem monge brasileiro sentiu, de perto, toda a agitação política da Alemanha nazista. Irrompendo logo depois, a Segunda Guerra Mundial, ele foi transferido a Roma a fim de concluir o Curso de Teologia, no Colégio Internacional Beneditino de Santo Anselmo.

Terminando o Curso de teologia, regressou ao Brasil, ao seu Mosteiro da Bahia. O Abade Dom Plácido Staeb o nomeou Prior do Mosteiro, em 1946, permanecendo neste cargo por dois anos. Ocupou nesse período, a função de Diretor da Tipografia Beneditina, sendo cronista cerimoniário, e no setor pastoral, foi assistente da  JUC masculina.

Em 1949, Dom Jerônimo iniciava uma fase bem marcante de sua vida, ao ser enviado à Garanhuns (PE) para trabalhar na formação de jovens oblatos, futuros monges, na Escola Claustral. Dedicou-se com  amor ao magistério. Foi professor de Latim e Liturgia para os Oblatos; de Francês, no Colégio Diocesano; de História e Religião, no Colégio Santa Sofia. Ministrou Cursos sobre a Sagrada Escritura, sobretudo de Exegese do Antigo Testamento, no recinto do Mosteiro, para pessoas cultas de Garanhuns. Dom Jerônimo tornou-se uma das figuras de maior destaque no cenário cultural da sociedade garanhuense. Realizava conferências, fazia discursos em datas cívicas, pregava retiros. Colaborador de "O Monitor", então, Jornal da Diocese. Era muito procurado na direção espiritual. Foi membro da Associação de Imprensa de Pernambuco e da do Ceará.

Em 1960, foi chamado de volta para seu Mosteiro, em Salvador, permanecendo ali até a sua morte. Na Bahia, desenvolveu grandes atividades culturais, ora como conferencista e brilhante orador sacro, ora como colaborador do "Jornal da Bahia", com suas Crônicas. Foi nomeado assistente geral da JEC. Recebeu o título de Cidadão de Salvador (1965). No Mosteiro, ocupou, pela segunda vez, o cargo de Prior, em 1965, permanecendo no mesmo por uma década.

Quando se levantou o problema do Divórcio no Brasil, Dom Jerônimo fez, pela imprensa, declarações avançadas. Atraiu sobre si críticas acerbas por parte do Clero. Foi obrigado a renunciar ao cargo de Prior do Mosteiro da Bahia, em 2 de abril de 1975, por imposição dos Superiores maiores da Ordem. A partir de então , o ex-prior começou a enfrentar uma das fases mais difíceis de sua vida; no entanto, mesmo na provação permaneceu fiel à vida monástica. Ele tinha dito a alguém: "prefiro morrer a deixar o Mosteiro". Esse depoimento mostra toda a grandeza de alma desse monge que soube a vida toda, ser um homem bondoso. Morreu como monge, e ainda mais, teve o privilégio de ser enterrado no Mosteiro.

Fisicamente, Dom Jerônimo era magro, de rosto pálido, enfermiço a vida toda, mas de espírito magnânimo, otimista e forte. Homem inteligente, culto, eloquente, compreensível, de trato social amável. Excelente conselheiro e amigo de todos.

Deus o chamou para a eternidade, no dia em que a Igreja celebrava a festa da Convenção de São Paulo, o Apóstolo das Nações. A Dom Jerônimo podemos aplicar aquela palavra paulina: "Combati o bom combate, terminei a minha carreira e guardei a fé (Tito, 4,7)".

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