quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Charles Chaplin


João Marques* | Garanhuns, 28/02/1995

Achar graça, não conter o riso, dar boas gargalhadas é bom. Como dizem, também, chorar é necessário. O riso, mais exterior, condiz com a forma humana. O choro, com a alma. Mas esta igualmente sorrir... Espontaneamente. De dentro para fora, como as manifestações que eclodem na natureza. O riso é mais superficial, envolve toda a expressão humana num rá-rá falante. Tão intenso, muitas vezes, que chega a causar dor de barriga, soluço. O riso, como o choro, são manifestações íntimas. Chora-se e ri-se mais, quando se está só ou entre pessoas amigas. Encontrando-me só, já dei risadas, ao lembrar de coisas engraçadas. Sou um bom risão, a ponto de meus olhos ficarem lacrimejando...

São vizinhos, assim, o riso e o choro. Contudo, o riso vai pela fantasia; o choro, pela realidade. Uma coisa ou outra, na vida eles ajudam ao homem a descobrir que é um ser ainda incompleto, carente e, como tal, há-de ser simples, para não cair no ridículo.

CHARLES CHAPLIN

Tenho assistido aos filmes de Charles Chaplin, no domingo à noite, à hora de dormir. Na minha escolha, as exibições da televisão seriam mais cedo... Rir muito, logo antes de dormir, não dá muito certo. E, porque jamais perderei um destes filmes, tantas vezes passem, empurro o sono para mais tarde, enquanto fico a morrer de rir. Sozinho na sala, rio mais que um espectador comum... como um filósofo, que só, faz suas filosofias. O comediante é filósofo... eu, também, porque aprendo com ele e, por mim, acho não menos humorista a minha situação, a de rir num horário impróprio, numa situação que, antes fosse mais humano chorar.

RISOS

Luzinette Laporte também gosta de filmes. Como quase todo mundo, já assistiu a eles, mas vai vendo de novo, achando graça no eterno Carlitos, o melhor, mesmo a gente estando com sono. Lembro de uma vez, no saudoso cinema Jardim, que dormiu e não o acordaram mais, numa exibição (Tempos Modernos, parece-me), sentado na fila de cadeiras logo atrás de mim, ria muito um antigo comerciante, o também saudoso Mario Correia de Oliveira. Muitas vezes, me voltei, para ver como ria! Ficou-me, na sua imagem, de um homem rindo muito, o tempo bom e alegre que foi aquele, dos dias do cinema Jardim... Dos dias e das noites elegantes!

O Charles Chaplin é pobre e a roupa é velha. Não é completamente triste, mas também não é alegre... O seu riso é natural. Rindo, é mais o ator, que o personagem. Chorando, é mais o personagem do que o artista. Há sem nenhuma dúvida, um grande esforço do ator para rir... Não por deficiência da representação, mas, mais profundamente, pelo riso exterior do personagem, que não é feliz, que não sabe ou nunca riu com alma. É um homem sempre triste, que se faz de alegre, por conveniência ou, sem jeito, que procura imitar a felicidade que sempre está fora de seu alcance. A insistência, que se denota pelo uso da roupa muito envelhecida, em se apresentar igual a um cavalheiro. A rigor, o chapéu, a gravata borboleta, o paletó de dois botões sempre abotoados. A bengala, quase toda vez, segurada na mão esquerda, para que, com a outra mão, faça reverências com o chapéu. É incrível como movimento bem a bengala, transferindo a ela a agitação de uma alma ansiosa. Como se ela, a bengala, de momento, assumisse  o personagem inteiro, em toda a sua expressão. Completando a figura, no que se acrescenta à roupa, as sobrancelhas arqueadas, o bigode e os sapatos compridos para o andar zambeta. Sob tudo isto, exceto da bengala, ele é um moço ativo, capaz das mais rápidas piruetas e saltos... Os movimentos são  simétricos (não faz o mínimo deslocamento atoa). Movimentam-se muito a bengala, os olhos, as sobrancelhas, a boca do riso, todos os músculos do rosto, a cabeça, o chapéu, os braços, as pernas, os sapatos exagerados. Tão engraçado o jeito, parecendo um boneco, as evoluções de um fantoche... Como Charles Chaplin é completo... Não é perfeito! Para isto, faltaram-lhe as asas para voar. A voz, não! Esta faculdade de sobra, que temos no cinema de hoje, não lhe falta para a glória.

Um homem triste, que ao tentar viver como os outros, mais venturosos, fica engraçado... Um contraste, uma diferença que, revelada pela arte, provoca na sensibilidade humana um choro que começa com o riso... Um riso despertado, um choro revivido...

Charles Chaplin inteiro reflete na lágrima, como no riso, estes dois vizinhos e amigos. Para ser mais definível, a sua figura parada está mais para a lágrima, que escorre lentamente, e o seu movimento, para a risada longa e falante. Um filósofo, como dizia. Mais real, que tudo. Seria ele, com a sua cômica filosofia, o mais perfeito retrato da vida? Da vida, não sei... Mas, do homem pobre e das injustiças do mundo, sim! Uma caricatura, com todos os traços da arte. E bengala...

*João Marques dos Santos, natural de Garanhuns, onde sempre residiu, é poeta, contista, cronista e compositor.  Teve diversas funções nas atividades culturais da cidade: foi Presidente da Academia de Letras de Garanhuns, durante 18 anos, Diretor de Cultura do Município e, atualmente, é presidente da Academia dos Amigos de Garanhuns - AMIGA. Compôs, letra e música, o Hino de Garanhuns. Mantém, desde 1995, o jornal de cultura O Século. Publicou quatro livros de poesia: Temas de Garanhuns, Partições do Silêncio, Messes do azul e Barro

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