quinta-feira, 4 de julho de 2024

O Sentimento do Mundo


O poeta nasce, o poeta não morre e, pelo seu canto, fica como o sol e a chuva, o vento que é vida e sopra e embala as folhas secas e a alma. O poeta é do Natal, como os pastores que caminham às estrelas e concebem manhãs de paz. Os 100 anos foram assim, de Natal celebrado, como se santifica o poeta. Luzinette Laporte de Carvalho tem esta festa numa mensagem e a oferece como um presente de Natal

Luzinette Laporte de Carvalho* | Dezembro de 2002

Este sentimento, Carlos Drummond o possuía. Era tão abrangente que não há como expressá-lo. Não vou querer estudar sua obra. (Quem sou eu, quando tantos já o fizeram?).

Quem lê Drummond descobre-lhe uma técnica espontânea e natural.

Em relação a mim, tenho-lhe admiração, gratidão e amizade.

Sua prosa é sem adjetivos. Linguagem que atrai qualquer tipo de leitor. Seria ideal que nossos alunos tivessem acesso à sua obra. (E, claro, a todos os nossos escritores. Pelo menos não iniciar com Machado de Assis. É necessário um critério, equilíbrio, sensibilidade. O importante é despertar, desde criança, o hábito da leitura. Infelizmente as baboseiras da TV - com raras exceções - devoram o tempo (das nossas crianças, jovens, adultos) que poderia ser dedicado à leitura.

Drummond não se esquivava a ninguém. Quem o procurava, encontrava alguém simples, educado, fascinante. Foi o que me aconteceu. Tanto ele respondeu-me, como também fez crítica dos meus livros.

Em um Natal, dedicou-me o poema seguinte:

Por isso, neste Natal, quero publicá-lo no seu centenário. Com um sentimento de saudade bom de uma saudade boa. Escrevia-me de próprio punho.

Manoel Gouveia Filho aconselhou-me a colocar em um quadro com moldura e vidro! o poema.

Para mim, que conheço pessoas que se negam a comunicar-se, ou ao menos falar por telefone, é grato guardar a lembrança de um homem que era mais gente do que poeta. (O poeta não deveria ser mais gente?).

A nostalgia da vida interiorana marca toda sua poesia. Em "Fazendeiro do ar" ganham em  densidade os poemas que se referem à infância. Por vezes tornam-se dramáticos: "Sem nariz e fazia milagres... Por que Deus é horrendo em seu amor"? (A Santa). Também escreveu "a mais elaborada poesia de cunho social já feita no Brasil." Principalmente no livro "A Rosa do Povo": "Tal uma lâmina, / o povo, meu poema, te atravessa." O socialista. Engajado.

Em cada fase de sua poesia, a figura paterna aparece, com a "Severidade que impede o amor": "Guardavas talvez o amor / em tripla cerca de espinhos. / Já não precisavas guardá-lo. / No escuro em que fazes anos, / no escuro, / é permitido sorrir."

E as imagens inesperadas/inusitadas: "Teus olhos da cor do céu, / Céu castanho da tarde / os teus olhos". Sinto falta dos cartões amigos. Porque dele, como não morre, resta poesia: "ele de corpo e  alma".

Feliz Natal!

*Professora e escritora.

Texto transcrito do Jornal O Século | Dezembro de 2002 |

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