sexta-feira, 18 de agosto de 2023

Zé Candango

História do Agreste

José Calázio era um provinciano conhecido pela alcunha de "Zé Candango". Era um homem simples, trabalhador, devotado ao campo, pai de numerosa prole. Sendo homem analfabeto, mantinha em seu cerne o dom da inteligência, capaz de motivar espanto às circunstâncias, pelos suas respostas seguras e sobremodo, improvisadas, em todos os momentos que  elas se faziam necessárias. Era o tipo do caipira alegre, gozador e muitas vezes censuristas. Apesar de prosista, era pacato e de boa índole. Casado com Dona Juvina, mulher corpulenta, trabalhadora e de bons predicados, tinha ela duas vezes o peso do marido. Trabalhava cotidianamente na roça ao lado das filhas, enquanto o marido cuidava da vacaria do Sr. Gedeão, numa propriedade circunvizinha à sua. Zé Candango, com sua natureza alegre, gostava de frequentar assiduamente, todos os domingos, alguns quiosques que existiam nas proximidades, a fim de bebericar um pouco alguns quentões em companhia de outros roceiros seus amigos. Esses encontros domingueiros eram eivados pela euforia geral, sendo Zé Candango o centro de atenção de todos que o cercavam, pelo fato de ser ele o pivô de toda a galhardia.

Quando a efervescência do  álcool subia-lhe às têmporas, trazendo-lhe à mente uma sensação de bem estar, vinha-lhe a espontaneidade que já lhe era bem peculiar. E justamente nesse momento as piadas, as gozações, as perguntas indiscretas eram-lhe dirigidas por seus companheiros que já ficavam na expectativa de suas respostas. As senhoras mais recatadas, ao tomarem ciência dos tais momentos, iam-se retirando, ficando apenas algumas jovens que, por astúcia gostavam de ouvi-las para depois se confabularem sobre seus efeitos, entre risos maliciosos que  motivavam maior afogueamento àqueles que se dispunham às pulhas.

- Quando tive em São Paulo, disse Zé Candango, vi um sordado dando uma bronca danada num motorista.

- Cuma foi? perguntou um dos ouvintes.

- Ele falô prô motorista: Ei, ocê ai num viu as frechas? E o motorista arrespondeu: Num vi nem os índios, que dirá as frechas!

Algumas pessoas desataram a rir e um dos companheiros falou:

- Candango! Conta aquela dos meninos da escola!

- Um menino falô prô pai: Pai! Tô com medo da  prefessora. Ela falô que  vai puxá minha urêia. Entonce o pai arrespondeu: Passe vasilina!

- Asto dia, continuou Zé Candango, vi dizê que o  avô do Nerson morreu. Entonce preguntei a ele se  tinha lhe deixado arguma coisa. Sabe o que ele me  arrespondeu?

Todos disseram nhô não.

- Ele me arrespondeu:  Nove fio e duas fia.

E, a pedido de um e de outro, o dia avançava sem que ninguém se apercebesse. A bebedeira prosseguia a medida que o repertório de Zé Candango se ampliava.

Um fanfarrão que estava presente na ocasião falou:

- Ouça bem, seu Candango; no tempo das patentes um rei tocou na cabeça do meu avô com  uma  espada e fez dele um Duque.

Zé Candango respondeu:

- Isto num é nada. Uma  vez um índio tocou com um cacete na cabeça do  meu tio e fez dele um anjo.

Dentre estas piadas, inúmeras obscenidades eram igualmente focalizadas.

Num fim de tarde, Zé Candango um tanto embriagado se deixava conduzir pela mulher e, depois de um tombo, vociferou:

- O véio Cosmo foi  acertá a missa de sétimo dia de sua muié. O padre cobrô trinta cruzeiro. Ele arrespondeu: Num tenho um tostão; tô arrazado; a muié morreu e a única fia foi  ser frêra; tô só no mundo.

*Maviael Medeiros / Professor, escritor e cronista / Garanhuns, 05 de Julho de 1980

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