segunda-feira, 14 de agosto de 2023

Seu William Thompson

Reverendo William Thompson
Alceu Euthymio de Azevedo*

Desde o Monte Sinai ao topo da Boa Vista e desta aos confins da rua da Areia, não havia quem não conhecesse, no meu tempo de rapazola estudante, numa das mais risonhas cidades do interior pernambucano, a figura agradável e extremamente humana do "Seu Thompson". Quando comecei a tomar conhecimento das coisas, gravando-as de forma indelével no mais recôndito do coração, já  ele trazia consigo esse prestígio pessoal conquistado à troco da abnegação, bondade e amor ao ensino da juventude brasileira, ali representada por centenas de jovens dos mais afastados recantos da  calcinada terra nordestina.

O "Seu Thompson" daquele tempo era uma personalidade vigorosa, amante do direito e da verdade e para quem o saber constituía a forma mais bela de se fazer cultura para servir ao Brasil. Americano do Norte por nascimento, quis que a nossa Pátria fosse escolhida para dele receber ensinamentos e exemplos que ficaram gravados na memória de quantos cursaram o "XV de Novembro" de tradições gloriosas e imperecíveis.

Bela a vida do "Seu Thompson"... As madrugadas e os crepúsculos surpreendiam-no de machado em punho a rachar lenha para conservar bem aceso o fogo responsável pela alimentação de famintos estudantes internos. E muito cedo ainda, lá estava ele a bater com uns pauzinhos numa espécie de campainha, cujo sons maviosos eram um refrigério para os nossos músculos cansados de tanto repousar... Era o anjo bom, a mão amiga, o carinho evangélico a minorar os males alheios. Para os que necessitavam apenas de uma palavra amiga, ele ia muito além: - dava um pedaço do  seu coração.

Nunca em minha existência de bons anos vividos, encontrei quem a ele se  igualasse em retidão, justiça e admirável compreensão do dever e da honra. As aulas que ministrava eram ouvidas com religioso silêncio. Na época de provas parciais então, era quando mais se fazia sentir o peso de sua consciência limpa como a advertir o incauto aluno... Costumava dizer sempre: - "Quem sabe, sabe: quem não sabe, não sabe". De fato, com ele só se sabendo bem para passar nos exames finais. Essa sua máxima criou raízes e andou frutificando durante todo o seu tempo de professor e diretor do meu colégio de infância. E, coisa interessante, - ninguém jamais se aventurou a pleitear um pontinho a mais na nota...

Em mais de 40 anos de serviço em prol da instrução e do progresso do Brasil, o "Seu Thompson" se constituiu numa espécie de árvore simbólica cujos galhos esguios e viçosos, envoltos na roupagem verde a natureza fértil e amiga, serviu para abrigar o viajor sedento pela seiva do saber. Foram muitos, demasiadamente muitos, os que se beneficiaram à sombra acolhedora daquela árvore frondosa e simpaticamente erguida no mais profundo dos nossos corações.

Há cerca de uns 2 anos passados, com a experiência que aconselha e a saudade que maltrata, visitei a formosa Garanhuns de minha juventude. E numa bela manhã primaveril, quando o céu era lindo e a terra mais cheirosa, fui à casa do "Seu Thompson", que ali deixara havia já muitos anos. Alquebrado pela idade e extenuado pelo trabalho excessivo, o meu velho professor ainda era aquela mesma criatura meiga, afável e sincera.

E ao reparar a sua habitação modesta e o traje mais modesto ainda, confrangeu-se-me grandemente o coração. E ao voltar-me para dizer-lhe que ele havia dado ao meu povo o melhor de sua alma, de sua inteligência e de sua incomensuráveis bondade, ele, arregalando bem os olhos por traz dos seus simpáticos óculos, obtemperou: - "Fiz apenas a minha obrigação;  cumpri tão somente o meu dever".

O "Seu Thompson", para muitos assim como para mim, será eterno na minha lembrança como um exemplo, o mais grandioso dos exemplos de bondade cristã, neste conturbado e materializado mundo de hoje.

Que Deus permita viver e andar, segundo os passos do "Seu Thompson".

*Transcrito da Revista A BOLA do Rio de Janeiro, edição de setembro de 1949. Alceu Euthymio de Azevedo, é ex-aluno do Colégio XV de Novembro e figura das mais simpáticas do seu tempo.

Em 1921 o Reverendo George W. Taylor torna-se o 5º diretor do Colégio XV de Novembro, durante sua gestão foi adquirido um imenso terreno, em área nobre da cidade e construído o prédio principal do colégio. O marco principal do trabalho do Dr. Taylor seria registrado no dia 15 de novembro de 1928, quando foi lançada a “pedra fundamental” no lugar onde seria erigido o prédio. O Reverendo Taylor permanece na direção do colégio até o final do ano de 1935, poucos dias antes do seu falecimento. Assume a direção do Colégio o Reverendo William Thompson permanecendo até 1938. O Reverendo Thompson foi criador e mantenedor do jornal evangélico “O EXPOSITOR”.

Foto: Reverendo William Thompson.

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