Então você começa desse modo: Povo da Rua da Esperança! Eu como vereador...
A campanha do candidato Aloísio Souto Pinto continuava crescendo em termos de realização de comícios. A rua da Prosperidade, na área escolhida para a concentração daquela noite, estava feericamente iluminada e enfeitada com bandeirinhas de papel recortada de revistas. No início da campanha, os candidatos à Câmara revelavam-se tímidos diante do microfone. Mas, com o passar do tempo, notava-se que dava trabalho para o organizador da pauta dos oradores, acomodar a todos. Pois, ao perderem a timidez, procuravam deter-se mais tempos em suas falações, geralmente sem conteúdo, tornando-se enfáticas e cansativas para o público, que se comprimia diante do caminhão que servia de palanque.
Observava-se que bons oradores não eram candidatos, porém prestavam excelente contribuição para o entusiasmo da campanha. Os candidatos que não saiam bem em seus discursos, provocavam, quase sempre, hilaridade entre os expectadores. Isso preocupava o candidato a vice-prefeito Álvaro Rocha que, do modo cordial, passava a orientar para que os discursos não fossem entremeados ou mesmo completos de ausência de lógica e argumentos.
E José Calado iniciava sempre seus discursos com a seguinte expressão: "povo desta rua pública... Eu, cuma viriador..."
Geralmente provocava risos por parte do público, o que reduzia o entusiasmo da concentração, precisando colocar logo em seguida, um orador de grande capacidade e eloquente como o vereador Uzzae Canuto que dava ânimo; uma espécie de plasma para fortificar o comício, entusiasmando o povo.
Estava atrás na grade do caminhão esperando uma oportunidade para fazer o meu discurso, que deveria ser rápido para não afugentar os eleitores. Era a convicção que tinha a meu respeito como orador político.
Ao terminar sua participação, usando o microfone, Calado aproximou-se para informar que depois do professor Uzzae Canuto era a minha vez de usar a palavra. Era uma grande desvantagem. Pois, não deveria ser nada agradável depois de se ouvir Uzzae ter de aguentar Humberto de Moraes.
Logo após, aproxima-se Álvaro Rocha. Aliás, o seu gesto era de se estranhar porque deveria permanecer junto ao candidato a prefeito de frente para o povo. Ao chegar, cumprimentou-se com um boa noite, indo logo ao assunto que o levava à nossa presença, dirigindo-se de imediato a Calado.
- Olhe Calado, você está melhorando em seus discursos, mas é preciso fazer um retoque.
- Apois não, seu Arvis.
- Olhe - continuou Álvaro - você não precisa dizer povo desta rua pública e nem eu cuma viriador.
- Oxente, seu Arvis, e cuma é que eu devo dizer?
- Olhe, dizendo povo desta rua pública, você se torna repetitivo, sendo redundante...
- Ré o que, seu Arvis...
- Redundante; ou seja; se você diz povo da rua, não precisa mais dizer povo desta rua pública porque todo mundo já sabe que a rua é pública. Assim, ao invés de você dizer povo desta rua pública, quando for fazer o seu discurso você se refere ao nome da rua; por exemplo; povo da rua Prosperidade, ou povo da Rua Nova e, assim por diante. Você dada da rua onde o comício está se realizando, entendeu? Quanto a expressão: eu cuma vereador também é errado.
- E cuma é que se diz? - Indagou Calado.
- Não diga a palavra cuma, porque é errado. Não existe essa palavra no idioma português. E se você continua expressando-se desse modo, uma boa parte dos eleitores que querem votar em você não votará porque você revela que não sabe sequer dirigir-se corretamente. É preciso lembrar que ser vereador é uma coisa séria que requer do eleito certos conhecimentos para que, durante os trabalhos da Câmara Municipal não passe por decepção.
A atenção de Calado em relação ao ensinamento de Álvaro Rocha, dava a entender que realmente estava compreendendo o que ele estava dizendo. Pacientemente, Álvaro persistia, no afã de fazer com que o candidato melhorasse um pouco sua presença nos comícios.
- Acho que você já entendeu tudo não é? - Indagou o improvisado professor - e prosseguiu - Assim quando você for fazer outro discurso, suponhamos que seja o mesmo realizado na rua da Esperança, então você começa desse modo: Povo da Rua da Esperança! Eu como vereador...
- Oxente, seu Arvis - Interrompeu Calado, com ares de preocupação e até demonstrando-se surpreso e prosseguiu - Eu como vereador?...Eu como vereador?... Digo o que seu Arvis... É muito feio!... Eu como vereador? Digo o que?... E os comícios continuaram se realizando como os oradores expressando-se, cada um a seu modo e de acordo com sua capacidade cultural. (Texto de Humberto Alves de Moraes |Jornalista, político e historiador).
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