segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Revelações - Parte XV


Luzinette Laporte de Carvalho*

É isto que somos: o que  está além de nós. Bem dentro de nós. Que os próprios familiares - eles mais que os outros - não percebem. Algo que, ali, naquela profundidade, não contemos em nós - mesmos: o que transborda, das implosões violentas, que nos jogam, que  nos gasgam dolorosamente a alma. (Implodem em nós horizontes e formas. Sentimentos e  sonhos. Então, desbordamos). Ah! I que desborda... Esse algo que desborda mas não sobra. Que faz parte de  nós, é nossa parte mais "eu", e escapa à nossa vontade, ao nosso domínio dos outros. Algo como onda violenta que se joga sobre nós e nos subjuga. Cada vez que cresce e se abate sobre nós, mudamos, ninguém o sente ou presente. Nem os que nos amam, falo de ti: do que está além de ti, do que transborda.  Aquilo que  nem tu mesmo (pre) sentes ser. Eu, sim. Toda tua  mudança, mais clara para mim do que para ti-mesmo, porque mulher: o que soma sensibilidade, percepção. carrego a mim e me sei. E em me sabendo, tenho mais  do que muitos o sendo da realidade. Percebendo-te, sei o  que não sabes de ti. Porém, não me cabe dizer-te. Não  me cabe revelar-te a ti-mesmo. Como tu, estou sujeita a  mudanças. E mudo constantemente. cada revelação é  mudança. Sou mutabilidade. Cada vez mais tenho a revelação disso.

Não sei até que ponto posso ir dizendo tudo. Mudaste muito diante de mim. Por isso eu te agradeço. se estás maior ou menor, isto não significa nada. O único que significa é a tua mudança. Mudaste. Esta é a realidade. E a única que acompanhou tua mudança fui eu. (Isto é ainda mais importante). Porque sem o querer, quiseste. Deixaste que eu acompanhasse a mudança fase por fase. Como quem não tinha coragem de se distanciar, tu me quiseste junto de ti. E eis que fui testemunha. Tive que tomar inúmeros novos enfoques, para delinear teu novo semblante, tua face nova. Eu te olhava surpresa de que quisesses que eu permanecesse. Surpresa e um pouco assustada, de ver emergir uma nova face de ti.  Porém também não fugi. Embora tivesse uma enorme vontade de fazê-lo. Permaneci para que te sentisses livre, e para ser eu-mesma livre. E deixei-te ser como o queiras, para que possa eu também ser, como o queira. Ao deixar-te livre, liberto-me eu. E posso ver claramente o que, em ti, está além de ti.

Não julgues que seja difícil, para mim, isto: é o meu modo de ser. Também só me retiveste, porque eu quis ver a tua metamorfose. Pois se me prenderas por força, e eu me deixara prender... Então, tu perderias tudo que sou além do eu sensível: o que não vês, mas  podes (pre) sentir. Sou livre. Esta é a minha essência: o amor. Meu fim: o amor. E esta liberdade me leva a terríveis e dolorosos compromissos. Ninguém é mais compromissado que um ser livre. Mas ligado às suas prévias decisões, opções. Ou não seria liberdade: falhar em tudo. Algo tem que ser constância, permanência. Ser "sim" uma vez por todas. Neste momento - de sim ou de  não - decidimos nossa vida. E a dos outros em relação a nós. Depois, todas as provas que vierem, esbater-se-ão de encontro ao ideal, à vida escolhido (a).

Podes imaginar esta alegria que brota e flui constante, ao te confessar isto? Podes no sangue que  jorra das chagas descobrir os raios luminosos? Ouvir o canto-chão em glória? Podes, sei, por seres quem és.

Por isso, deixo-me tocar. Deixo que ponhas tuas mãos nas chagas e sintas o sangue quente, rubi liquefeito. Desde que descobri esta realidade, vibro. Sonho com o dia em que a chaga irradiará não apenas para ti, ou para mim, somente. Sonho com o instante do mistério: a hora da revelação. A qual ninguém pode  conhecer e continuar vivo. Eu a conheço: não vês quantas mortes morri? Não percebeste? Um dia não o disseste a mim, deslumbrado e surpreso? E o teu susto deslumbrante indicou-me uma das tuas (infinitas) dimensões. revelou-me o quão profundo és. E desde então, eu sei. Sei que jamais poderemos ser dois. Sei que jamais poderemos ser um. 

*Professora e escritora / Garanhuns, PE - 2000.

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