sexta-feira, 7 de junho de 2024

Ministério Público de Garanhuns nos primeiros anos do Século XX

Alfredo da Silva Vieira

Alfredo Vieira*

A história começa quando o meu pai, advogado Alfredo da Silva Vieira, formado em 1910 pela Faculdade de Direito do Recife, nos idos de 1917, chega a Garanhuns, em meados de setembro, para ocupar a sua Promotoria Pública a convite do Governador Manuel Borba, de quem era correligionário político e seu compadre.

Segundo informes colhidos com os meus parentes da família Soares de Assunção, o meu pai, acertadamente não quis se juntar aos adversários políticos do "Grupo Rosista", chefiados pelo Cap. José Mateus de Oliveira Guimarães, que mais tarde se tornara sogro do meu tio João da Silva Vieira.

As cúpulas  políticas tinham feito acordo, e se procurava amainar os  problemas surgidos no interior do Estado de Pernambuco, onde as questões eram mais acirradas e era tal o clima criado entre oposição e governo, e vice-versa, que se tornava impossível uma conciliação pura e simples entre as facções municipais e regionais.

Lagos dos Gatos, Panelas e adjacências, constituem uma região bastante difícil e os "Vieira do Pery-Pery", como eram conhecidos os da família do meu pai, não se conciliavam facilmente com os adversários políticos, muito embora pudessem se entrelaçar por vínculos de casamento.

Chamado ao Recife e atendendo ao convite de Manuel Borba, o  meu pai foi mandado estrategicamente para Garanhuns, para ocupar a  sua Promotoria Pública.

Durante muito tempo, os ocupantes dos cargos do Ministério Público e da Magistratura, eram escolhidos pelos chefes políticos e nomeados pelo Governador.

Meu pai recebera o prêmio de sua rebeldia política, ganhando a Promotoria Pública de Garanhuns.

Garanhuns, também era um centro político bastante agitado, em face do predomínio da família Brasileiro. Tanto assim, que o mestre José da Costa Porto, no seu magnífico livro "Os tempos de Dantas Barreto", assim escreveu:

"Fazendo rápido hiato, esclareçamos que Borba, no final do pronunciamento, aludia aos graves acontecimentos ocorridos em Garanhuns, uma das páginas mais sombrias a tarjar de luto as brigas sem grandeza da política do nosso interior. Vinha de longe a política partidária, ameaçando a tranquilidade da comunidade local, com as  lutas entre o grupo chefiado pelo Coronel Júlio Brasileiro - antigo Prefeito do Município, Deputado Estadual, e novamente Prefeito nas eleições de julho do ano anterior, - e a oposição que reunia parte da elite da terra, o ex-deputado Manuel Jardim, Sátiro Ivo, Rocha Carvalho, Borba Júnior e outros.

Já na fase pré-eleitoral, o Diário de Pernambuco, de 4  de julho de 1916, chamava a atenção do Governo para a gravidade da  situação de Garanhuns, ante os desmando do situacionismo, registrando, entre outros, o fato de haverem emporcalhadas com fezes humanas as residências do candidato da oposição, - o médico Rocha Carvalho - e de outros próceres adversários do Coronel Júlio Brasileiro.

Porque fosse pública e notória a atuação extremada da polícia local, Borba substituíra o delegado faccioso, enviando para Garanhuns o alferes Nicolau Pinto Teixeira, uma de cujas primeiras medidas fora pedir a demissão dos subdelegados distritais, o que, de  resto - sinal da exaltação ambiente, - provocou a reação da ex-autoridade de Brejão, principal zona de influência da família Brasileiro.

Realizadas as eleições em ambiente de chumbo, se diminuiu a tensão da fase da campanha o clima de ódios e de exacerbamento de ânimos, de que seria índice a agressão pública de  atuante elemento oposicionista - Francisco Sales Vila Nova e Melo - por amigos e correligionários do chefe municipal, incidente de consequências lamentáveis, pois, não acreditando em providências punitivas - dado que, nos costumes do tempo, governista casava e batizava impunemente, a vítima decidiu vingar-se. E, em atitude aloucada, viajando para o Recife, a pretexto de levar os fatos ao conhecimento do chefe de polícia, sabendo que o Coronel Brasileiro costumava frequentar o Café Chile, situado na Pracinha, para ali se dirigiu, às 20 horas e meia, e, sem uma palavra, desfechou contra ele toda a carga do revólver, prostrando-o morto".

Apesar das agitações encontradas em Garanhuns com o processo da  "hecatombe" ainda em fase de prova, audiências de testemunhas e a indicação dos principais culpados, meu pai, engajou-se novamente nos meandros da política regional, ao lado de Souto Filho, José de Almeida, Luís Correia e João Paes de Carvalho Barros. Mudava apenas de cenário.

A promotoria Pública, cargo político por excelência, não impedia de que os seus titulares exercitassem a política partidária.

O Judiciário continuaria, até a revolução de 1930, - atrelado ao  cargo político dos que mandavam e desmandavam, servindo aos interesses políticos dos que estavam de cima e dos que detinham o poder.

Tanto isto era verdade, que entre os Chefes do interior do Estado rodou uma circular, atribuída ao Governador Manuel Borba: "quem tiver o que perder e quiser viver em paz, vote com o Governo". (Costa Porto, - Os tempos de Dantas Barreto, página 138).

*Escritor, historiador e advogado.

Foto: Alfredo da Silva Vieira

Alfredo da Silva Vieira - Nasceu  em Lagoa dos Gatos, onde foi chefe político local, integrando o grupo do Governador Manuel Borba - Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais da turma de 1910 da Faculdade de Direito do Recife e Advogado militante. Foi o 6º Prefeito da Cidade de Panelas (1910-1912). Promotor Público da Comarca de Garanhuns de 1917 à 1927 - Promotor Público de Canhotinho no ano de 1928.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O político e as raízes de Souto Filho

Gerusa Souto Malheiros* Do poder, meu pai não sentiu jamais o desvario, nem o considerou um bem de raiz. Da sua tolerância, da moderação e d...