sexta-feira, 18 de agosto de 2023

O último bonde de Garanhuns

O último bonde de Garanhuns

O último bonde de Garanhuns

Luiz Souto Dourado*

Jamais poderia imaginar que parte do acervo da Pernambuco Tramways, cuja indenização reclamamos da União para o Estado na Assembleia Legislativa viria a ser doada a Garanhuns pelo governador Nilo Coelho. Havia iniciado o Centro Cultural e lembrei-me de que os antigos bondes, jogados sem qualquer utilidade num depósito da Avenida Caxangá, poderiam servir de bancos ao novo teatro. Liberados, começamos a sua transferência para a nossa cidade.

Lembro-me bem de um velho bonde de Dois Irmãos que ainda tentei fazer circular em Garanhuns, uma tentativa frustrada, pois a Rede Ferroviária fora forçada a erradicar os trilhos, logo depois. O último bonde não sei se estranhou a paisagem ou o motor a óleo que nele colocaram. Andou poucas vezes e hoje goza de uma merecida aposentadoria, transformado num estranho objeto não identificado, a não ser pela nostalgia dos mais velhos que visitam o Centro da Juventude. Acho que bem preferia continuar fazendo o seu antigo itinerário para Dois Irmãos, como aquele que ainda hoje circula no Rio de Janeiro, passando por cima dos Arcos, como a desfilar soberano numa passarela, para Santa Teresa. Imagino como seria agradável, hoje, um passeio de bonde, pelo menos da Praça Casa Forte ao Horto de Dois Irmãos, passando por baixo dos viadutos, sem prejudicar as modernas rodovias.

Gilberto Amado, nas suas memórias, relembra os passeios de bonde a Caxangá,  um  dos maiores prazeres da sua vida de estudante pobre do Recife. Os da minha geração devem lembrar o que significava para nós ir a Dois Irmãos no velho bonde, hoje aposentado.

De tanto fazer esse passeio, a gente conhecia algumas casas e encontrava muitos conhecidos. De ordinário, andavam no bonde de Dois Irmãos os moradores do bairro e os estudantes de Agronomia. Um dia avisto o tenente-médico Clóvis Pereira, fardado de verde oliva, descendo em direção da Estrada Real do Poço da Panela: andava de namoro com a sua Yolanda, com quem se casou e continua dela enamorado até hoje. Logo depois da Praça da Casa Forte, via-se a casa que pertencera a Delmiro Gouveia, talvez o primeiro industrial do Nordeste e ser vítima do capital estrangeiro. A casa do advogado George Latache, em estilo colonial e com os seus belos lampiões de vidro, ainda hoje bem conservados. A casa do professor Joaquim Amazonas, com a sua biblioteca na frente, onde fomos convidá-lo para paraninfar a nossa turma da Faculdade de Direito. A casa da família de Arnaldo Lemos  cercada de árvores centenárias, uma família que vai herdando, e transmitindo aos seus, a mesma fidalguia e educação. A casa de  Jack Ayres, uma das melhores figuras da colônia inglesa do recife, hoje transformado no Centro de Recuperação Motora, resultado do esforço e da tenacidade do médico Ladislau Porto. A casa dos Irmãos Boxwell, com o seu terraço virado para o rio, onde às vezes íamos, tempos depois, Teresa e eu, em busca de plantas. A casa de belos azulejos do José Macaco, brigado com a vida e com os homens, para quem - dizia-se - a própria comida subia por uma cesta para o primeiro andar, onde morava sozinho. Hoje, essa Casa é do Instituto Joaquim Nabuco, uma grande iniciativa do então deputado Gilberto Freyre. A casa da família Tasso, que ainda hoje conserva as mesmas linhas de uma velha casa de engenho. A casa do sociólogo Gilberto Freyre, a mais importante de todas, pelo renome internacional do seu dono, onde estive uma noite saudando, em nome dos meus colegas, o velho Alfredo Freyre, nosso professor de  Economia Política na Faculdade de Direito. Defronte, o "Território" de Bebinho Salgado, que defendia, ao seu modo um tanto boêmio, o que acreditava ser o nosso folclore. Logo adiante, a casa da família Perez, no meio de imenso terreno.

*Escritor, ex-prefeito de Garanhuns e deputado estadual.

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