segunda-feira, 14 de agosto de 2023

O político e o dinheiro

Luiz Souto Dourado
De um modo geral, o político brasileiro é malvisto, mal falado e, muitas vezes, injuriado, caluniado e até processado - para não dizer cassado, preso, torturado, exilado e até desaparecido. Este é o preço que ele vem pagando pela sua atuação, em todas as épocas e em quase todas as épocas e em quase todos os regimes, notadamente depois das revoluções.

Depois da Revolução de 1930, chamavam os decaídos de carcomidos. E inquéritos neles para apurar fortunas ilícitas e tomem exílio para onde foram, entre outros. Washington Luís, Otávio Mangabeira, Estácio Coimbra e J. J. Seabra. Sabe-se que  Mangabeira sobreviveu com extremas dificuldades escrevendo para a revista "Seleções" e Seabra foi levando graças a um cheque em branco entregue pelo magnata Carlos Guinle - fato que deverá constar das memórias do senador Nelson Carneiro, que assistiu ao pagamento desse empréstimo por parte de Seabra, quando este já eleito para a Constituinte de 1934.

Depois da Revolução de 1964, chamavam os vencidos de subversivos e corruptos. E novamente inquéritos neles para apurar a subversão e corrupção que diziam existir no País. E tomem cassação de mandatos, prisão, exílio, etc.

De forma mais violenta e cruel, 1964 repetia 1930. Mas em vez de 4, agora 20 anos:  em vez de Washington, agora Jango - que morreu no exílio - em vez de Estácio, agora Arraes; em vez de Seabra, o outro baiano Waldyr Pires.

Da subversão, nem é bom falar dos subversivos da época. ficaríamos  mesmo no General Castelo Branco, chefe do Estado Maior do presidente João Goulart e que, por estranha fidelidade, o substituiu na Chefia do Governo... Aquele que não admitia a reeleição... até que foi reeleito.

E da corrupção, tanto dos carcomidos de 1930 como dos corruptos de 1964, qual deles foi condenado por corrupção? Nenhum. Os escândalos apareceram depois, e estão ai nos jornais, nos tribunais, esperando julgamento.

O que é sabido e deve ser louvado é que Pernambuco, até os dias de hoje, nenhum governante enriqueceu no Poder. Ao contrário, alguns, como Estácio Coimbra e Carlos de Lima Cavalcanti, antes proprietários de usinas, tiveram de vendê-las, depois. Deste último, no prefácio do livro de Luís Delgado sobre "Um Grande de Pernambuco" o também governador Eraldo Gueiros escreveu: "Poucas vezes voltou a Pernambuco: faltavam-lhe recursos. A última viagem fizera-a, ele, o rico senhor da  usina Pedrosa, a de 30 de ônibus, poeira e sol, cortando estradas que não eram estradas, mas apenas caminhos. Depois só voltaria morto para habitar por algumas horas, apenas, o mesmo palácio, as mesmas salas, o mesmo sítio, mas, inerte, indiferente às duras contingências desse mesmo mundo e dessa vida."

Outros governantes, como Manoel Borba e Sérgio Loreto, ao deixarem o Palácio do Governo, receberam, como presente de correligionários, residências condignas, uma na Benfica e a outra em Casa Forte. Carlos Lima, surpreendido pelo golpe de 1937, foi para casa de dona Dulce Von Shosten, sua irmã e Miguel Arraes, no golpe de 1964, foi levado preso para a Vila Militar de Socorro, O prefeito Lima Castro, que fora grande  comerciante de tecidos, esse empobreceu no exercício do cargo e terminou os seus dias na pobreza, ajudado por Assis Chateaubriand, que lhe encomendava traduções de livros de inglês e do alemão, idiomas que aprendera nas suas viagens de rapaz rico, antes de ser político.

Essas histórias vem a propósito de uma reportagem da revista "Isto é" (junho de 1985), sobre as contas de Tancredo Neves, pela qual se comprova que a herança deixada por ele não pagaria os gastos hospitalares da sua doença.

O próprio Presidente, sabendo-se um homem que vivia de subsídios (deixou de ser Primeiro Ministro para candidatar-se a deputado) e de "papagaios nos bancos amigos", perguntou, apreensivo, ainda no Hospital de Base de Brasília: "Onde vou arranjar dinheiro para pagar todos estes médicos"? A doença estava apenas no começo, mas Tancredo já se sabia sem cobertura constitucional ou patrimonial para  enfrentá-la. E como dizia o seu irmão, Jorge Neves, ao tomar conhecimento do inventário, poderemos vender todo o município de Cláudio e a metade da cidade de São João Del-Rey, que não conseguiremos pagar".

Na verdade, este é o perfil político brasileiro, malvisto, malfalado e, muitas vezes, injuriado, caluniado e até processado. Depois de 50 anos de vida pública, o que Tancredo deixa ao morrer, não chega para pagar a conta do hospital, isto depois de chegar a Presidente - não um sonho transformado em realidade, mas a realidade transformada num sonho ou sono eterno.

*Luiz Souto Dourado / Advogado, jornalista, escritor, ex-prefeito de Garanhuns e deputado estadual / Recife, 24 de agosto de 1985.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O cabo eleitoral

Garanhuns - A presença do "cabo eleitoral", ou "de eleitor", está ligado às eleições, desde os  tempos do Brasil colônia...