terça-feira, 1 de agosto de 2023

O irmão que se foi

Gerusa Souto Malheiros*

Após penosa e prolongada enfermidade de treze longos meses, no dia cinco de setembro último (1989), o meu amado irmão Antônio Souto Neto, elevou a Deus sua  boníssima alma. Depois da sua trajetória terrena, ele doou-se confiante nas mãos do Senhor. Por três vezes, recebeu a extrema unção dos doentes, aos sábados, na sua residência, participava da Santa comunhão das mãos do amigo em Cristo, Padre Romeu da Fonte Pároco da Torre. Nos seus últimos dias já hospitalizado, recebia Jesus Hóstia, a cada manhã.

Estou convicta de que um filho da nossa mãe, a qual foi tão piedosa e tão cristã, não poderia ir impenitente para a casa do Pai.

Souto Neto pertencia à estirpe dos bons, e essa estirpe vai ficando rara, no nosso mundo violento, competitivo e ambicioso.

Ele foi, sem dúvida, um simples, desprendido dos bens materiais e, sobretudo, amor de maneira profunda os pobres e humildes que sempre o cercaram.

Nunca sentiu sedução pela política partidária apesar de ter sido filho de Souto Filho (Soutinho).

Humano por excelência, sempre esteve perto dos desvalidos, sem esperar qualquer retribuição daqueles que nada têm de material para agradecer ou oferecer.

Foi honesto e íntegro e nada dado às afetações sub-culturais dos conchavos e das reciprocidades interesseiras.

Recolhido permanentemente às suas aulas, à direção do Ginásio Pernambucano, aos exames do seu laboratório de análises clínicas e à sua biblioteca, no aconchego do seu lar em grande dimensões toda literatura contemporânea.

Representou um pouco do nosso pai e um pouco nossa mãe, na sua personalidade. Do nosso pai, o coração magnânimo que a todos perdoava, até aos adversários políticos, pois nunca os perseguiu quando esteve no poder, e da nossa mãe, aquela simplicidade comovedora.

Durante vinte anos dirigiu o Ginásio Pernambucano, com acerto e dignidade, e ali efetuou o seu apostolado maior.

Num dos seus aniversários, o corpo docente e funcionários da instituição tradicional o presentearam com uma caneta. Ao recebê-la, comovido, ele declarou: "Esta caneta nunca será usada para assinar atos que façam mal a quem quer que seja".

O funeral de Souto Neto, saído do seu amado Ginásio, numa manhã ensolarada de primavera, lembrava-nos o sepultamento de um político, tamanho o número de acompanhantes. Todos os segmentos sociais fizeram-se presentes, levando-o ao jazigo da nossa família no Cemitério de Santo Amaro. O Coronel Costa Cavalcanti, ex-secretário da educação no governo Eraldo Gueiros, proferiu à beira do túmulo, belas e eloquentes palavras de despedida, definindo a sua personalidade. Momento muito emocionante foi aquele em que a Banda de Música do Ginásio Pernambucano homenageou o seu fundador com o toque de silêncio. Muito emocionante também as palavras inspiradas de um funcionário do Ginásio, que nos lembraram o episódio tão significativo da caneta.

Nascido a 10 de junho de 1919, na rua Joaquim Nabuco, 189, no Recife, casa depredada pela Revolução de 1930, foi alfabetizado pela jornalista e professora Celeste Dutra. Cursou o secundário no Colégio Nóbrega e depois o concluiu no Colégio Santo Antônio Maria Zacarias do Rio de Janeiro (onde nosso pai representava Pernambuco no Congresso Nacional e depois na Constituinte de 1934).

Recife, 30 de setembro de 1989.

Foto: Francisca Salgado Guedes Nogueira (D. Chiquita), Antônio Souto Filho (Soutinho), Antônio Souto Neto (colo) e Gerusa Souto Malheiros.

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