sábado, 12 de agosto de 2023

O dia em que a terra acabou


Clovis de Barros Filho*

São Paulo (SP) - Era um dia claro, de verão. O calor insuportável, daqueles onde  a inhambu pé roxo procura uma moitinha verde para descansar no pasto seco. Eu tinha se não estou enganado uns seis anos de idade. Estava àquela hora sentado em baixo de um jambeiro que fazia sombra em frente a mercearia do meu pai. Naquela hora não se via uma pessoa na rua e muito menos qualquer barulho. O vento sumira como por milagre, os habitantes do lugar estavam todos entocados nas suas casas fugindo do mormaço insuportável mesmo porque àquela altura, já era hora do almoço. Só a presença de alguns vira-latas me chamavam à atenção, uns à  procura de algo para comer, outros zanzando rua afora. E eu ali sentado, olhando para o nada vendo o tempo passar, a espera que algum cliente adentrasse à budega. O que vi de repente me tirou daquele  letargia. Primeiro, notei que os cachorros que estavam por perto começaram a ficar nervosos e a latir, do nada. Não vi nenhum andarilho, nem gatos, não vi tia Koka uma senhora que costumava aparecer na vila de repente, para desaparecer do mesmo  jeito que chegara, misteriosamente. Tia Koka tinha problemas mentais não fazia mal a ninguém, só os cachorros não gostavam muito dela, talvez pelas tralhas que carregava consigo. 

O que estaria deixando os cães tão nervosos? A resposta não tardou a chegar. Primeiro, como um ronco longínquo como se fora um gigantesco enxame de abelhas, mas, à medida que os minutos passavam aumentava de intensidade. Uma a uma as pessoas começaram a sair de dentro de casa, como bichinhos assustados. A rua repentinamente ficou cheia. Todos se entreolhavam espantados sem saber que barulho misterioso era aquele, e de onde vinha. Uma coisa era certa, o barulho vinha dos céus. E a turma começou a ficar preocupada. De repente, uma pessoa se ajoelhou no meio da rua e começou a rezar dizendo que o mundo ia acabar, e ai a coisa degringolou. Muitas pessoas começaram também a chorar e a rezar e o barulho cada vez mais ensurdecedor. 

Pessoas àquela altura corriam de casa em casa, mandavam seus filhos se proteger, outros procuravam a origem do barulho olhando aflitas para os céus e outros ainda rezavam desesperados. Eu confesso que não arredei o pé de onde estava debaixo do jambeiro. Sozinho ali, assisti a tudo naquele breve espaço de tempo meio assustado mais sem me desesperar. Até hoje não soube onde meus pais se encontravam naquela hora. Como chegou lentamente, o misterioso barulho foi aos poucos diminuindo de intensidade, desaparecendo, para alegria e tranquilidade de todos. No entanto, ninguém voltou mais para casa, formaram-se grupinhos procurando uma explicação para o barulho e é claro tudo que era palpite furado veio à baila. Os comentários  eram os mais estapafúrdios. 

Uns diziam que o mundo estivera a pique de acabar, outros que era um dilúvio que se aproximara, e outros ainda que era um terremoto que tinha acontecido. O certo é que o acontecido gerou dias e dias de conjecturas e palpites os mais engraçados possíveis. Só uns quinze dias mais tarde, é que soubemos de fato o que tinha ocorrido. Na verdade, o misterioso barulho fora provocado pelos motores dos aviões de uma esquadrilha da FAB que provavelmente ia para a base aérea de Recife ou Natal ou outro ponto qualquer.

*Clovis de Barros filho nasceu na Serra da Prata (Iatecá). Estudou no Colégio Diocesano de Garanhuns do Admissão ao Científico onde concluiu em 1968. Reside em São Paulo desde 1970. É Licenciado e Bacharel em Química Industrial pela Universidade de Guarulhos e Químico Industrial Superior pelas faculdades Osvaldo Cruz - SP.

Aviões de Guerra / Créditos da foto: foxtrotalpha.jalopnik.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Um encontro de saudades

Waldimir Maia Leite "Wadô" Marcílio Reinaux* Homem ou mulher, por mais forte que seja, não escapa de momentos transcendentais na v...