segunda-feira, 14 de agosto de 2023

O apito do último trem de Garanhuns

O apito do último trem em 19 de novembro de 1966

Raimundo Athanásio de Morais*

Os tempos passam mas, através deles, a história continua vencendo as distâncias e atingindo o zimbório da realidade. Inesperados fatos sempre acontecem no perpassar da vida, todavia nunca se deve considerar tardia a imagem da recordação, especialmente quando o assunto prende-se  uma relembrança que, mesmo não sendo tonificada, pelo sabor do desencanto consubstanciando amargurados sofrimentos, contudo permanece latentemente no vasto campo da nossa imaginação.

Nesse conceito, configura-se a inesperada paralisação dos Trens da Estrada de Ferro, cujo movimento diário, levando e trazendo passageiros à Capital de Pernambuco e vice-versa, eternizou uma contínua recordação que  jamais se apagará, por que continuará vibrando no pensamento dos habitantes desta região. Durante o decorrer de todos esses anos que nos foi permitido viver, nunca registramos nas páginas do livro de nossa mentalidade, um fato que gerasse uma lembrança tão duradoura, como aconteceu com a intempestiva decisão do Ministério da Viação, sustando definitivamente o movimento  das Locomotivas atuantes na Estrada de Ferro. O prejuízo que essa medida pública vem ocasionando à indústria, à pecuária, à agricultura e ao comércio em geral, até a hora presente, não encontrou nenhuma opinião favorável,  nem mesmo de certas pessoas que se habituaram a bater palmas a todos os atos governamentais. 

De conformidade com os relatos históricos, no ano de 1852, no dia 26 do mês de junho, fora instalada no Recife, a Rede Ferroviária com a denominação de Estrada de Ferro do Recife a São Francisco. E, como tudo estava indicando, inclusive o seu próprio nome dirigir-se-iam os seus  trilhos às margens do grande rio nordestino atingindo a Vila de Boa Vista, tendo que a própria Estação inicial, no Recife, tornou-se conhecida por São Francisco. Em face disso, os Trens partiam das Cinco Pontas para Garanhuns e Alagoas.

A Estrada de Ferro era destinada a atingir as margens do rio São Francisco, entretanto paralisou a sua construção nesta Cidade. Contudo, permaneceu por muitos anos beneficiando uma região. A festa pública que se realizou em Garanhuns, contando com presença das mais altas autoridades imperiais, constituiu um acontecimento histórico, conforme publicaram em páginas inteiras, o Diário de Pernambuco e o Jornal do Recife, no dia  da chegada do primeiro Trem na então Vila de Santo Antônio do Ararobá, hoje essa famosa Garanhuns. Por tão forte razão, os legítimos filhos desta Terra, aliados aos que aqui vivem, tomamos a deliberação de promover, não uma festa, mas um oportuno movimento de despedida. 

Em virtude disso, a Estação, na hora aprazada, achava-se superlotada de pessoas que desejam ouvir o tristonho e comovente apito da última locomotiva. As Praças que tornam, ainda hoje, aquele terminal dentro de poucas horas superlotaram-se com milhares de  criaturas humanas, homens, mulheres e crianças. Foi, evidentemente, um espetáculo que estampou a mais comovente tristeza.

A Rádio Difusora de Garanhuns, apesar de ser uma Empresa com finalidade comercial, vivia naquela época, mais aproximada do povo nos seus interesses coletivos, através da palavra decisiva do saudoso e sempre relembrando locutor Ivo de Souza, colocou-se na dianteira, promovendo uma espetacular divulgação. Manifestaram-se os componentes da Câmara dos Vereadores, não apenas através de mensagens que recebemos, mas também pelo comparecimento. Vários oradores se pronunciaram lamentando a drástica medida ministerial. O maquinista, por sua vez, após movimentar a Locomotiva atrelada aos Vagões de passageiros, parou entre a multidão que se comprimia, utilizando-se de lenço, para enxugar as lágrimas que deslizavam pelas suas faces avermelhadas. Após o APITO anunciando a despedida, o pranto incontido dominou comoventemente, enquanto a Máquina envolvia a linha de ferro, projetando uma nuvem de fumaça, exatamente por que não podia chorar como nós outros, contudo gemendo dolorosamente seguiu o seu triste destino apitando, até desaparecer no horizonte da distância que nos separou. 

*Dr. Raimundo de Moraes, ex-vereador, cirurgião dentista, jornalista, e orador brilhante, voz forte e destemida que no instante da partida final, quando o trem soltava o último e melancólico apito, subiu numa caixa de sabão, improvisando-a como tribuna, e lavrou o seu protesto contra a retirada do trem. 

Foto: O apito do último trem em 19 de novembro de 1966 / Jornal O Século.

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