quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Memórias do Monsenhor Adelmar Valença - Parte VI

Padre Adelmar ainda jovem

Em janeiro de 1923, a mercearia foi fechada por motivo da doença do patrão. Empreguei-me, então, na loja de  Eufrásio Guilherme, entre as lojas do Sr. Francisco e Ferreira Costa. O ordenado era, também 30$000 por mês. Era um patrão exigente, cheio de reclamações. Felizmente, a esposa, Maria Augusta, filha do velho Ferreira Costa, era delicada e dizia que eu não me importasse. Certo dia, minha família, com razão, não me deixou ir ao cinema. Como protesto, passei a noite, deitado em cadeiras, na sala; e, no dia seguinte, muito cedo, fugi para São Pedro, onde meu pai comprara um sítio. Era uma tola imitação do que fizera um mau colega. Não fui bem recebido por meu pai, que, à noite, me trouxe de volta. Fiquei satisfeito, porém, porque ele permitiu que eu não voltasse mais para a loja. Fiquei trabalhando, aos  sábados, na mercearia de Euclides Dourado, dirigida por Agilberto Dourado, ganhando 5$000 cada vez. Comprei, na rua Santos Dumont, um maço de cigarros "Simília", finos e bonitos, mas logo nas primeiras baforadas, enjoado, joguei todos fora e nunca mais fumei. Beber? Só uma vez, uma garrafa de vinho, com um colega, na linha de ferro; o olhar severo de meu pai corrigiu-me e nunca mais bebi. Deixando de lado os inesquecíveis brinquedos de pião, papagaios de papel e as empolgantes batalhas, não perdia os serenos de piano e danças, fossem em que rua fossem. 

Lia romances, às vezes impróprios, emprestados alguns por uma certa senhora que morava perto; um dia, meu pai, com razão, brigou, mas fiquei lendo escondido. Quando morriam pessoas importantes,  nos enterros, sempre a Banda de Música tocava a Marcha Fúnebre de Chopin, o cemitério era perto e a gente chegava logo. Gostava de viajar para São Pedro, sempre a pé. Já no domingo, depois da missa da madrugada, e voltava à tarde, ou, quase sempre, na segunda-feira de madrugada. Lá, numa vereda quase fechada pelo mato alto, vi uma cascavel, língua de fora, em pé, a um metro de mim, pronta para o bote; recuei e, desesperado, fugi, salvando-me por um milagre. Às vezes, ficava lá nos domingos e meu pai ficava aqui. Numa dessas viagens, saí de lá às 3 da madrugada; havia um trecho longo sem casa de espécie alguma; no Papa-Terra, encontrei o meu pai que ia a cavalo; tomei a bênção e segui meu caminho. Na outra semana, ele disse a minha mãe que vira, atrás de mim, um cachorro grande. Ela reclamou porque ele não voltara para me avisar. Mas ele, inteligente como era, respondeu: "Se Adelmar não tem medo de viajar, sozinho, naquelas estradas escuras, não há de ter medo um cachorro atrás dele!" Quando minha mãe me disse isso, fiquei vaidoso e a coragem aumentou muito mais, graças a  Deus! Em junho, empreguei-me, ganhando 30$000 por mês, na mercearia do  Sr. Pires, onde, anteriormente, eu tinha trabalhando aos sábados. Mercearia pequena, mas de grande movimento, trabalhava excessivamente, sobretudo aos sábados. Fonte: 

O Diocesano de Garanhuns e Mons. Adelmar de Corpo e Alma / Manoel Neto Teixeira 1994.

Foto: Padre Adelmar ainda jovem.

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