quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Mário Lira


Luiz Souto Dourado*

Quando rebentou a revolução de 1930, morávamos em casas vizinhas em Garanhuns. Ele, como revolucionário, assumiu a Prefeitura, cargo então ocupado por meu pai, derrotado pelo movimento. E nada foi alterado nas relações existentes nas nossas famílias. Guardou-se um extremo respeito entre as duas casas, que abrigavam, por assim dizer, as duas chefias políticas do município. Um respeito humano, bem maior que uma mera cortesia, passou a reinar entre os dois vizinhos, adversários que no fundo se admiravam e sobre tudo se respeitavam.

Foram essas as lembranças que me ocorreram quando da casa de Mário Lira (foto), um dos seus filhos me comunicou o seu falecimento, há poucos dias. Já não éramos mais vizinhos e nem sequer morávamos naquela mesma cidade. Mas esse gesto significou particularmente para mim a continuação de uma conduta mantida por seu pai, durante tanto tempo, principalmente naqueles dias de outubro de 1930, que os anos somente vieram acrescer em grandeza.

Tempos depois estávamos juntos em campanha política, sem desconfianças e sem ressentimentos, unidos pelos mesmos ideais democráticos.

Por coincidência, ocupamos os mesmos cargos e sempre houve entre nós recíprocas demonstrações de confiança e troca de estímulos.

Quando assinamos, como Prefeito, o contrato de abastecimento de água para nossa cidade, fiz questão de lembrar que o operoso deputado Mário Lira tratara inúmeras vezes do assunto na Assembleia Legislativa, apontando o aproveitamento de Inhumas como solução definitiva para o problema de Garanhuns e o convidei para a solenidade.

Tivesse Mário Lira, como novo chefe, valendo-se do seu poder revolucionário, procurado diminuir ou desmoralizar o adversário decaído, não teria a sua memória hoje esse depoimento, pois seria um desrespeito a mim próprio. De sua bravura e feitos revolucionários de 1930, falem os que estavam ao seu lado, apoiando a sua causa.

Cabe-me apenas um depoimento isento de paixão política mas  historicamente verdadeiro, sobre o chefe de um movimento que soube respeitar os adversários, sobre um homem que, numa cidade do interior, há tantos anos, deu um exemplo de rara educação política.

É de exemplos como o de Mário Lira, de respeito à  pessoa humana e de acato às convicções alheias que estamos hoje precisando, nessa fase de abertura e descompressão política em que vivemos.

*Escritor, ex-prefeito de Garanhuns, ex-deputado estadual e secretário de Estado.

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