sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Lenços brancos

Chegada do Interventor Federal no Estado (governador), Agamenon Magalhães, Ministro da Guerra, General Eurico Gaspar Dutra, Brigadeiro Eduardo Gomes, entre outros, em 8 de junho de 1943 à inauguração da Prefeitura de Garanhuns (Hoje Palácio Celso Galvão)

Luiz Souto Dourado*

Ele nos recebeu em julho de 1945, conforme noticiou o Diário. Antes, passamos pela sala de Virgílio de Melo Franco, secretário da UDN, e entramos juntos no gabinete do Brigadeiro Eduardo Gomes, num apartamento da Praia do Flamengo. O estudante estava diante do herói. Sabendo-nos de Pernambuco, a conversa foi em torno de outro estudante, Demócrito de Souza Filho, sacrificado na janela deste jornal, em março daquele ano.

Nos idos de 1945, o País estava cansado (como cansa) da ditadura de Vargas. Os mineiros já tinham lançado o seu Manifesto  contra alguns dos seus signatários (inclusive Virgílio) o Governo tomara severas represálias. Os estudantes, principalmente os de Direito, nas Faculdades de Minas, São Paulo e Recife, se articulavam em comícios de protesto contra o regime ditatorial. Em 3 de março, aquele rapaz de cabelos louros era atingindo na testa e morria na Praça da Independência. No dia seguinte - a ditadura nunca pode evitar o dia seguinte - a Congregação da Faculdade de Direito denunciava a crime à Nação. O velho Diário, mais do que censurado, estava silenciado pela força, pelo arbítrio. Só voltaria a circular dias depois, quando o honrado e corajoso Juiz Luiz Marinho concedeu a segurança impetrada por Nehemias Gueiros, Antíogenes Chaves e Carlos José Duarte.

O estudante continuava defronte do herói, pensando nesses fatos ainda bem vivos. O Brigadeiro tinha quase a idade de Demócrito, quando participou do levante do Forte de Copacabana. Eu que vira há poucos meses Demócrito morto no Pronto Socorro, via agora o sobrevivente do Forte. A mocidade como que nivelara o mártir e o herói. O idealismo os consagrara. O vivo respondia pelo morto. Eduardo era agora o candidato por quem Demócrito lutara.

Depois de oito longos anos de ditadura - regime de prepotência, de arbítrio de interventorias, censura à imprensa, deportação de políticos, prisão de escritores e jornalistas, de professores e estudantes, todas praticadas (vejam) pela Polícia Civil - a nação chegava ao extremo da submissão e da desonra. Foi quando José Américo concedeu célebre entrevista a Carlos Lacerda, publicada pelo "Correio da Manhã". Estava, finalmente, aberto o caminho da liberdade de Imprensa, que conduz a todos os outros.

O Ditador estava, agora, diante de novas imposições democráticas. Veio a anistia aos presos políticos. A volta de Mangabeira. Surgiram os partidos e, naturalmente, os candidatos. Pelo Governo, o General Eurico Dutra, ex-ministro da Ditadura e condestável do Estado Novo; pelas Oposições o Brigadeiro Eduardo Gomes, herói de 1922 e 1924, fundador do Correio Aéreo Nacional, responsável pela defesa do Nordeste na Segunda Guerra Mundial, e incompatibilidade com o Ditador, desde o golpe de Estado de 1937, quando o congresso foi fechado.

Muito embora marcadas para 2  de dezembro, quase ninguém acreditava nas eleições. Ao lado das candidaturas, o movimento queremista - visando a permanência de Vargas no poder - estava nas ruas com exaltação cada vez maior. Com  a nomeação de Benjamim, irmão do Presidente, para a Chefia de Polícia, a deterioração do regime atingia ao seu último estágio. O Governo forte agonizava. Foi deposto e com a concorrência dos dois candidatos, o poder Judiciário assumia o Governo da República.

Em novembro, dia 10, ele esteve no recife para o seu último comício, aqui. Homem simples, desceu simplesmente no Aeroporto, em trajes civis. Assistiu a missa e Edson Nery da Fonseca escreveu no Diário um artigo, citando a epístola que o Brigadeiro teria lido na ocasião, uma das tantas que serviram de base à sua exemplar vida de cristão.

Mas, faltava pouco mais de um mês  para a eleição. Num País da extensão do nosso e com a falta de comunicação da época, muita gente ainda pensava que o Ditador estava no Catete e não em São Borja. A mensagem do Brigadeiro, analisando os problemas em cada região, com competência e seriedade, de nada valeu diante da máquina montada pelas interventorias.

Dentre tantas lembranças trazidas pela morte recente do Brigadeiro, ficou-me perdida, o visual da multidão de lenços brancos acenando e a  convicção, cada vez maior, de que o preço da liberdade - hoje tão ameaçada como ontem - continua a  ser o da eterna vigilância.

Conservador ou reacionário como é hoje julgado por muitos, ele representou, para a geração de 1945, o autêntico líder da luta pela redemocratização do País.

*Ex-prefeito de Garanhuns, deputado estadual e secretário de Justiça no governo de Miguel Arraes/ Recife, 01 de Agosto de 1981.

Foto: Chegada do Interventor Federal no Estado (governador), Agamenon Magalhães, Ministro da Guerra, General Eurico Gaspar Dutra, Brigadeiro Eduardo Gomes, entre outros, em 8 de junho de 1943 à inauguração da Prefeitura de Garanhuns (Hoje Palácio Celso Galvão).

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