quarta-feira, 5 de junho de 2024

Café de Raul Monte

Prefeitura de Garanhuns na década de 1950

Nelson Paes  de Macedo*

[Garanhuns] - O jogo de futebol no campeonato do Sport onde é hoje e a estação rodoviária. / Os jogadores usavam uma touca de meia ou de tecido colorido. / Véspera de São João. Fogos iluminando e enfeitando o espaço. / Fogueiras em todas as ruas. Seu Manoel, descalço, pisando nas brasas. / Os folhetos de feira enchendo de sonhos a nossa imaginação: O Pavão Misterioso - O Capitão do Navio - A Moça que Virou Cachorra - e tantos outros de João Martins de Ataíde, o poeta do povo. Ainda hoje, são cantados e recitados. Receberam roupa nova; até o nome mudou para literatura de cordel, porque são pendurados em cordões quando expostos à venda. Já estão no teatro e na música popular; mas, para o povo, continuam sendo os folhetos de feira. / A saída e a chegada dos trens, o de  passageiros e o de carga. Meu Deus, até quando, Garanhuns continuará sendo a terra do "já teve?" / O armazém de Alfredo Monteiro na Praça Jardim, era uma espécie de "quartel-general" dos aliados, durante a Segunda Grande Guerra. Ali, se sentia os bombardeios de Londres, como se fosse um inglês, ali, o grito de alegria no DIA D, quando houve o desembarque na Normandia. / A tranquilidade de  uma sexta-feira da Paixão. O silêncio e a tristeza impregnados nas próprias coisas materiais. O trem parado; os automóveis nas garagens; as pessoas dentro das casas, só saindo à tarde para acompanhar a procissão do Senhor Morto. A banda lá na frente tocando músicas cheias de sentimento. / Sábado de Aleluia - Será que o padre vai achar aleluia? Dizem que é uma mancha de sangue dentro do livro sagrado!... Etelvina dizia que se não acharem aleluia, o mundo vai se acabar. Nós acreditávamos, outros não, até que o sino tocava: Acharam, aleluia! Vamos matar o Judas! / Domingo da Ressurreição. 4 horas da madrugada. A neblina caindo sobre o andor, o cântico dos hinos religiosos, crianças vestidas de anjos; tudo aquilo nos dava a impressão de realidade, parecia que Jesus havia ressuscitado ali mesmo na Avenida Santo Antônio.

Chico da Gansa, era um senhor, sapateiro que andava sempre vestido a rigor. Nos dias quentes ou frios era visto de terno já surrado, calça e paletó de cor escura, camisa de um branco encardido, colete e gravatinha borboleta. Um guarda-chuva ou uma bengala. Economizava algum dinheiro o ano todo, para ir ao Recife "vê o carnavá". Era o seu divertimento. / Estão tentando criar a "ZOOTECA". Cartões perfurados iguais aos da loteria esportiva, dando roupagem nova aos talões do jogo do bicho. E os velhos cambistas? Esquece-los? Não. Um talão, um lápis, lá vem ele, Seu Mané, vamos jogar no cavalo? Está bom pra hoje na federá! - Não, seu Duda, pra mim hoje dá bicho de pena, bote aí dois mil réis de galo. / FON-FON-FON-FON - a buzina dos automóveis, os FORD de bidé, coração balança, e outros que foram a sensação automobilística de uma época. / Cadeiras na calçada. Lá dentro a moça tocando piano. Ficou para sempre nos nossos ouvidos, os acordes de La Comparista. / Seu Belarmino de Mora; João Paulo e José Ferreira, guarda do telégrafo-nacional. Hoje, naquela mesa estão faltando eles. Comentavam os acontecimentos da guerra. Seu Belarmino tinha a opinião de que o perigo maior é o perigo amarelo: "João, os amarelos, os chineses, agora não, mas no futuro, o mundo vai ver, Será que Seu Belarmino estava certo? Ferreira pronunciava o nome Hitler com todas as letras. Para ele, o ditador nazista era o "HITTILER". 

O sorvete de gelo raspado na tolda de Luís. O mel, bote coco e morango... / O caldo de cana com pão doce no bar de Antônio de Domitila. / A papa de farinha do Maranhão,  no Café de Doca Medeiros. / O sarapatel acompanhado de uma "misturada", na tolda da feira. / A "misturada" para não ofender. Aquela cachaça com a garrafa cheia de ervas, destacando-se canelinha. / João Pirrichiu conduzia a tira-colo uma espingarda. Percorria todas as ruas, à procura de animais soltos. Dizia que a "orde" da prefeitura era atirar para matar; mas nunca fez uso da arma. Apareciam os donos dos porcos, cachorros, cabras e carneiros, que os recolhiam. Às vezes, alguns iam "repousar" na intendência, um curral depósito onde os donos iam retirá-los pagando uma multa. / O poeta escreveu que a árvores é  bela, mas a sombra é triste. 12 de outubro, festa do aniversário do Colégio Diocesano, o querido "Ginásio Diocesano". Dia do antigo-aluno. Missa. Almoço. Visitar o padre. Olhar as salas de aula. Andar novamente nos corredores do gigante da Praça da Bandeira, graças a Deus ainda dirigido pelo ANCHIETA DO NORDESTE, o Mons. Adelmar da Mota Valença. Depois, a volta para casa. É a sombra da árvore que se projeta sobre todos nós, entretanto não é uma sombra total; a claridade está no reflexo da instrução e da educação ali recebida. Instrução que não pode ficar separada da educação, porque são linhas paralelas. E o Ginásio sempre soube instruir e educar. / Você que também é um antigo aluno de outros colégios, tem seu dia do reencontro: Colégio 15 de Novembro, na data que lhe deu o nome; Santa Sofia; 18 de setembro. O Estadual, o Municipal, e, outros educandários também comemoram a data da sua fundação. 

No Café de Raul Monte, à Rua Santos Dumont, o primeiro aparelho de rádio. Era da marca Westinghouse. Obrigado José Diletieri, por esta informação; e você ainda dizendo que é um menino de ontem. / A primeira porta de ferro, Manoel Gouveia mandou instalar na sua livraria. / A "sopa" de seu Alfredo Leite, um ônibus com os bancos iguais aos de um bonde. Os passageiros que não estavam sentados viajavam em pé, no para-lama, segurando nos "balaústres". Fazia a linha do Arraial. Tinha o pomposo nome de "Empresa de Transporte Urbano de Passageiros". / Lourenço, o jornal já chegou - Eu quero um DIÁRIO. - "Chegou, mais num tem quem vá buscá lá na estação do trem". O bom homem, o gazeteiro Lourenço, estava ainda "alto", curtindo a ressaca da noite do sábado. / Nas farmácias, a distribuição dos almanaques. João Manoel vinha do sítio no dia da feira. Entrava na farmácia de Zé Lima, e queria um, mas, só se fosse do "doutor aiér". / 1965. O último trem. Depois de setenta anos indo e vindo, o cavalo de ferro foi embora. Onde estão as lideranças do município? O trem deve e pode voltar. Aproveitem a crise do petróleo. Vamos apitem, que o trem voltará a apitar outra vez. / Jorge Koury e Antônio Moraes, os melhores alfaiates da cidade, disputavam a preferência dos elegantes. O serviço de alto falante anunciava: A roupa faz o homem, e Moraes faz a roupa. / Porque não tem mais a missa da madrugada? Falta de fé e espírito religioso do povo? Como diz um apresentador de TV, eu acho que não! / A feira de livros da Livraria Helena, todos os anos no dia 16 de outubro. Seu Félix vendia muitos livros com redução de 10 a 80%. Porque não revivem aquela tradição? / A baratinha Ford de José Mota, era toda vermelha. / O circo chegou. Eu vi o palhaço das pernas-de-pau, lá na Rua 15, acompanhado dos meninos pobres, todos carimbados nas mãos. Era o "ingresso" para entrarem de graça no circo. De graça? Eles caminharam quase todas as ruas atrás do perna-de-pau, cantado: "Ou raio ou sol, suspende a lua! Olha o palhaço que está na rua! - "Hoje tem  espetáculo? - Tem sim senhô - às 8 horas da noite? Tem sim sinhô!"... / A primeira lâmpada fluorescente, lá na vitrine da Loja Atractiva. / As "peladas" na Praça Jardim. Lá, nasceram para o futebol, muitos "craques". / Júlia, apaixonada pelo cabo do bigodão. Ele não correspondia. Pediu transferência nunca mais voltou.

*Jornalista e historiador / Garanhuns, ano 1976.

Foto: Prefeitura de Garanhuns na década de 1950.

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