quarta-feira, 26 de junho de 2024

A Hecatombe de Garanhuns em 1917


Por Cláudio Gonçalves* 

Ascensão e queda do Jardinismo em Garanhuns

Com o advento da República, nasce em Garanhuns uma nova ala política liderada pelo coronel Antônio da Silva Souto e o juiz de direito, Luiz Afonso de Oliveira Jardim, sendo o primeiro eleito  prefeito de Garanhuns em 1892. No final do governo de Antônio da Silva Souto, 1895, a ala política dominante passou ao comando do Dr. Luiz Jardim, tendo como principal aliado político, o pernambucano e vice-presidente da República Francisco de Assis Rosa e Silva, pela força política que o juiz de direito, exercerá sobre a região do Agreste Meridional esse período ficou conhecido por Jardinismo e será marcado pela sucessão de prefeitos desse grupo político em Garanhuns, entre eles o seu irmão Manoel Antônio de Azevedo Jardim e o cunhado Francisco Veloso da Silveira. Com a morte do Dr. Luiz Afonso de Oliveira Jardim, em 12 de junho de 1905, o seu irmão e deputado Manoel Jardim torna-se o chefe político do Município. 

A política das Salvações implantada pelo presidente da República Hermes da Fonseca, que visa derrubar várias oligarquias estaduais, trará um novo cenário para Pernambuco. Na eleição de 1911 para Governador do Estado, o presidente apoia o general Emídio Dantas Barreto na disputa contra o Conselheiro Rosa e Silva. A eleição é marcada por uma série de conflitos, choques armados, que culmina com o Congresso Estadual dando a vitória ao general Dantas Barreto.

O enfrentamento entre Dantistas e Rosistas em Garanhuns, aumenta a crise no situacionismo, e aposição ganham novos aliados, os antigos Jardinistas o Dr. Antônio Souto Filho, tenente-coronel Júlio Eutímio da Silva Brasileiro, Antônio Isaac de Macedo e o Capitão Thomaz da Silva Maia. 

A vitória do general Dantas Barreto consolida a derrubada da oligarquia Rosa e Silva em Pernambuco, concomitante torna inevitável o declínio do Jardinismo em Garanhuns, fato que ocorre com a renúncia em fevereiro de 1912 do prefeito Argemiro Tavares de Miranda, motivada por perseguições políticas. A renúncia de Argemiro Miranda estabelece a ascensão de uma nova oligarquia em Garanhuns, apoiado pelo Dr. Antônio Souto Filho, oficial de Gabinete do Governador Dantas Barreto, é eleito em 30 de março de 1912 prefeito de Garanhuns, o tenente-coronel Júlio Brasileiro, iniciava um novo período de chefia e domínio político em Garanhuns que ficaria sendo chamada de Julismo. 

A Disputa eleitoral de 1916 

A eleição para a sucessão do governo municipal em Garanhuns estava marcada para acontecer em 10 de julho de 1916, a disputa eleitoral seria marcada por duas cisões no situacionismo, na esfera estadual o governador Manoel Antônio Borba havia rompido com o general Dantas Barreto, enquanto em Garanhuns o prefeito Francisco Vieira dos Santos, eleito em 1913 com o apoio de Júlio Brasileiro havia se afastado da ala Julista passando a fazer oposição ao chefe político. Diante desse rompimento político estadual e municipal, os Jardins que estavam afastados da política decidem apoiar na disputa local para prefeito o Dr. José da Rocha Carvalho e subprefeito o Dr. Antônio Borba Junior. O coronel Júlio Brasileiro, então deputado estadual, temendo uma derrota, resolve lançar a sua candidatura, tendo como companheiro de chapa e candidato a subprefeito o capitão Thomaz da Silva Maia. 

Durante a campanha, o capitão Francisco Sales Vila Nova, oposicionista, denuncia através de notas pagas nos jornais da Capital os excessos de violências cometidos pelos familiares e correligionários de Júlio Brasileiro, revelando que cruzes negras seriam colocadas nas casas dos adversários políticos e que uma lista negra estava sendo preparada com os nomes dos oposicionistas que após a vitória de Júlio Brasileiro todos seriam surrados a cipó-de-boi numa sessão de três carrascos para cada um.

A campanha eleitoral transcorreu nesse clima de insegurança e algumas casas dos adversários políticos foram emporcalhadas com fezes humanas, entre elas a do major Sátiro Ivo. 

Realizada a eleição em 10 de julho, os resultados das urnas foram esmagadoras, o coronel Júlio Brasileiro obteve 1.114 votos, enquanto o seu adversário Rocha Carvalho 428 votos. A vitória da ala dominante foi acintosa e extensivamente comemorada por parentes, amigos e correligionários de Júlio Brasileiro, contudo, a eleição foi anulada, pois de acordo com a lei eleitoral o coronel Júlio Brasileiro era inelegível, pois o seu mandato de deputado estadual só terminaria em novembro daquele ano, o que lhe impediria de concorrer ao cargo de prefeito, também as denuncias de títulos eleitorais duplicados contribuíram para a anulação do pleito. Mediante os protestos da oposição, o Governador Manuel Antônio Pereira Borba acabou encontrando um estratagema politico para agradar os antagônicos, marcar uma nova eleição para sete de janeiro de 1917 e transparecer aos opositores uma posição de imparcialidade. Doutor Rocha Carvalho diante da resolução governamental decidi retirar a sua candidatura da disputa

No domingo, 07 de janeiro de 1917, realizasse a nova eleição, havendo manifestações nas seções eleitorais, lideradas pelo capitão Sales Vila Nova, que dias antes havia sido ameaçado em plena feira pelo coronel Júlio Brasileiro de surrá-lo se continuasse a difamá-lo. 

Apesar dos contratempos a eleição transcorre normalmente, e o resultado oficial seria divulgado um mês depois, 07 de fevereiro.

Passados alguns dias da eleição, no dia 12 de janeiro, uma sexta-feira, após o encerramento da última sessão do Cine Grossi onde o capitão Sales Vila Nova era operador, por volta das 22:00 horas quanto retornava para casa na Rua da Independência (atual Cabo Cobrinha), foi alvo de uma emboscada, sendo surrado impiedosamente por seis homens mascarados a bengaladas e cipó-de-boi, sendo socorrido por seus familiares.

No dia seguinte, percorreu a feira mostrando aos amigos as equimoses provocadas pela surra, e responsabilizando o coronel Júlio Brasileiro, que se encontrava em Recife, o subdelegado Eutíquio Brasileiro, seus sobrinhos e o secretário da prefeitura Fausto Galo pela emboscada.

Na manhã do domingo, dia 14 de janeiro, embarcou para o Recife, tinha a pretensão de denunciar o mandante e os cúmplices ao Dr. Antônio Guimarães, Chefe de Polícia. 

O Crime do Café Chile

No dia 08 de janeiro de 1917, após a vitória nas eleições, o coronel Júlio Brasileiro viajara para o Recife, onde participaria das festividades em homenagem a visita a Pernambuco do general Dantas Barreto. Naqueles dias de estada em Recife ficou hospedado no Hotel Universo, localizado a Rua Duque de Caxias nº 39. Retornaria a Garanhuns no dia 13 de janeiro, mas a pedido do deputado Eutrópio Silva para acompanhá-lo em visita ao general Dantas Barreto no domingo, decidiu permanecer estender sua estada por mais um dia.

No dia 14 de janeiro, à noite, o coronel Júlio Brasileiro acompanhado pelo estudante de Direito João Carlos Camboim se dirigem ao Café Chile na Praça da Independência, onde aguardariam o deputado Eutrópio Silva para irem juntos a Pensão Landy visitar o general Dantas Barreto. 

Capitão Sales Vila Nova chegou à estação de Cinco Pontas por volta das 19h40min. Da estação seguiu de bonde para a Rua Augusta nº 290, residência do senhor Valpassos, fiscal da Great Western, onde sempre se hospeda quando viajava ao Recife. Depois foi a procura do Dr. Rocha Carvalho no Hotel Luzitano, onde o médico estava hospedado, sendo informado que ele havia saído para prestar serviços médicos a senhora Chiquita Souto, esposa do Dr. Souto Filho.  Em seguida foi ao Hotel Universo perguntando na recepção pelo coronel Júlio Brasileiro, também sendo informado que o mesmo acabara de sair de hotel.

As 20h30min, precisamente, o capitão Sales Vila Nova chega a Praça da Independência e avista sentado numa banquinha no terrasse do Café Chile o coronel Júlio Brasileiro, João Carlos Camboim e Mario Diniz, sem proferir uma palavra aproxima-se do coronel e sacando a sua pistola dispara contra Júlio Brasileiro, atingindo-o na boca, em seguida aciona o gatilho mais três vezes, atingindo ligeiramente o Dr. Olímpio Freire de Carvalho, o jornaleiro Luiz Marques de Oliveira e o coronel Júlio Brasileiro no abdômen, que mesmo ferido consegue sacar da algibeira uma pistola Mauser e cambaleando segue em perseguição ao agressor, mas é atingido por mais dois disparos, tombando a calçada do Hotel Luzitano.

Procurando se refugiar, capitão Sales Vila Nova é detido no saguão do Hotel Luzitano pelos agentes José Muniz de Almeida e Hermógenes Cordeiro, sendo depois conduzido pelo delegado Arnulpho Silva para o Quartel de Santo Antônio.

O Dr. Alfredo Costa da Assistência Pública depois de atestar o falecimento do coronel Júlio Brasileiro, conduziu o corpo em cama de lona para o Hotel Universo, que foi depois colocado em um ataúde de veludo preto com ornamentos dourados e alças de prata.

Do Hotel Universo por determinação do deputado Eutrópio Silva o corpo foi transportado em coche fúnebre para a Casa Agra. 

Na manhã seguinte a autopsia seria realizada no necrotério público pelo Dr. Frederico Curió, sendo o corpo conduzido para a Capela do Cemitério de Santo Amaro. Aproximando-se do meio dia, sai o cortejo em direção à estação de Cinco Pontas, o ataúde seguia em carro de 1ª ordem, acompanhando o féretro desfilaram 32 carros e 14 automóveis levando familiares, autoridades e amigos. 

O jornal Pequeno, assim como os jornais A Província e o Diário de Pernambuco, que cobriram com competência e profissionalismo o crime do Café Chile e a Hecatombe de Garanhuns destacou a partida do trem para Garanhuns:  

 “O féretro foi collocado num carro de 2ª classe, vendo-se sobre o mesmo as seguintes capellas: Lembrança de Hermínia e Leopoldo. Ao querido irmão e cunhado. Saudades de sua esposa, filha, genro e neto. Ao bom amigo, recordações de Fernandes Silva & Cia.   O trem era composto de tres vagons, um de 1ª classe, um de 2ª e um carro de bagagem. Seguiu como chefe do trem o sr. José Laurindo. Guiava a locomotiva que tem o n. 209, o machinista Cecilio Lyra. Ás 12 horas e 35 minutos deixou a gare da estação o comboio fúnebre”.  (Jornal Pequeno, 15 de janeiro de 1917). 

A Hecatombe de Garanhuns

No dia 15 de janeiro, pela manhã bem cedo, a família Brasileiro recebe os telegramas enviados pelo deputado Eutrópio Silva comunicando o assassinato do coronel Júlio Brasileiro. A notícia não demorou a se espalhar pela cidade, formando um aglomerado de parentes, amigos e correligionários na casa da viúva Ana Duperron Brasileiro.  Protestando o assassinato do coronel Júlio Brasileiro, seu irmão Eutíquio Brasileiro, os sobrinhos Antônio Rosa filho, José Viana, Álvaro Viana, o secretário da prefeitura, Fausto Galo, e o juiz José Pedro de Abreu e Lima, acreditavam que o capitão Sales Vila Nova teria sido apenas um instrumento dos adversários do chefe da família, e tudo não passou de um complô para tomarem a chefia política de Garanhuns. 

  A viúva, Ana Duperron, apoiada pelo juiz de direito, Abreu e Lima, que ao pedi-lhe pêsames prometera que mataram seu compadre e que a vingança seria terrível e cruel e se realizaria naquele dia, assim como o tenente reformado do Exercito Antônio Padilha que falou que conhecia os responsáveis pelo seu infortúnio e lhe jurava pela honra que a morte dele seria vingada naquele dia mesmo. Ana Duperron vai o juramento de só derramar uma só lágrima quando as outras chorarem, e só vestiria luto depois das outras vestirem. 

O Cônego Benigno Lira, o conselheiro municipal Francisco de Assis Barbosa, o bancário Francisco Siqueira Cavalcante que estava em Garanhuns em tratamento de saúde e o capitão Thomaz Maia, tentaram convencer a família Brasileiro que não podiam apontar autores intelectuais para o crime sem que a Justiça apurasse os fatos.  Debalde os esforços, pois imediatamente telegrafaram a outro sobrinho de Júlio Brasileiro, Alfredo Viana, conhecido por Doca Viana, que residia na fazenda Água Branca no povoado de Brejão, anunciando o acontecimento e trouxesse homens armados, inclusive Vicente Ferreira, o temível Vicentão. 

Outros grupos de homens armados de rifles e chefiados pelos parentes e correligionários de Júlio Brasileiro passaram a atacar as residências e armazéns dos adversários políticos, pelas ruas gritavam que naquele dia não ficariam vivo nenhum adversário de Júlio Brasileiro e sua morte seria vingada com sangue. Enfurecidos atacaram a Bela Aurora, armazém dos irmãos Argemiro e Júlio Miranda, mas estes não estavam no prédio, em seguida invadiram a residência do coronel Manoel Jardim, agredindo a família, e só não feriram o chefe da família por muitos rogos da esposa e por este está adoentado, após deixarem a casa, tentam invadir a coice de rifles e pontapés o armazém do major Sátiro Ivo, convidando aos gritos e impropérios para que ele saísse a rua. Situação que foi salva por José Lins Cavalcanti, primo de Álvaro Viana, sobrinho coronel, que garantiu a horda que o major Ivo, havia fugido. Na realidade permaneciam no armazém Sátiro Ivo, entrincheirado atrás de um fardo de algodão com o seu filho menor Ivo Junior, e os empregados Alfredo Leite Cavalcanti e Lindolfo Marques Cavalcanti. 

Incentivados pelo farmacêutico Ormindo Pires e o secretário Fausto Galo, que eram inimigos do Dr. Borba Junior, trataram de incentivar os familiares a atacarem a sua residência alegando que o médico havia festejado a morte de Júlio Brasileiro dizendo que afinal havia matado um cão danado. 

Chefiados por Antônio Rosa Filho, subdelegado e sobrinho do coronel Júlio Brasileiro, a residência do Dr. Borba foi invadida pela fachada e quintal, sendo o médico agredido pelo capanga Joaquim Pai D´égua  que o atingi com uma caçarola na cabeça, fazendo um profundo corte, depois o arrastando para a calçada, onde é cercado por vários homens que desembainham seus punhais e facas para matá-lo. O Juiz Abreu e Lima e o delegado tenente Meira Lima a tudo assistiam da calçada da casa da viúva Ana Duperron. Quando a situação ficou incontrolável, o delegado socorreu o médico aconselhando-o a recolher a cadeia, onde sua vida estaria segura. Sendo o Dr. Borba Junior conduzido pelo delegado e o grupo armado. 

Meira lima, pouco depois, procurou os familiares e contou-lhes do recolhimento do Dr. Borba Júnior na cadeia. O juiz Abreu e Lima passou a confabular com os familiares os planos para uma vingança. Ante os meios de persuasão o delegado Meira Lima passou a colocar o plano em execução, foi a cadeia e fez retirar quase toda a munição de reserva e passou a procurar os adversários políticos de Júlio Brasileiro para convence-los para se recolherem a cadeia, alegando que com a chegada dos reforços que estava esperando, tudo se acalmaria e depois eles poderiam regressar às suas residências, que nenhum mal lhes aconteceriam, pois só entrariam na cadeia depois que passassem por cima do seu cadáver. Confiantes nas promessas do delegado foram convencidos Francisco Veloso, Manoel Jardim, Sátiro Ivo, este continuava escondido no armazém, mas sua esposa Clotilde Ivo, após ser persuadida pelo delegado, foi com ele retirar o marido daquele esconderijo tão seguro e os irmãos Júlio e Argemiro Miranda, este último relutou em aceitar a proposta do delegado, mas diante dos argumentos de Júlio Miranda que a casa de Manoel Dantas onde estavam refugiados poderia ser atacada, acabou convencido. No trajeto para a cadeia Argemiro Miranda é abordado por uma parenta de sua mulher que lhe pergunta o que estava acontecendo e para onde ele e o irmão estavam indo, respondendo Argemiro Miranda que seguia com o irmão para o matadouro a fim de serem sacrificados. 

No início da tarde, mais homens armados vindos de Brejão chegavam à cidade, o Cônego Benigno, o conselheiro municipal Francisco Barbosa e o comerciante Marcionílo de Mendonça reúnem o juiz Abreu Lima, o delegado Meira Lima e a família Brasileiro e tentam convencê-los a irem até fora da cidade para pedirem aos homens que eles retornassem ao povoado, mas o juiz e o delegado alegam que nada mais poderia fazer, pois muitos já chegaram à cidade por espontânea vontade. Secundado o juiz, Eutíquio Brasileiro afirma que o pessoal que estava vindo de Brejão, alguns deles vinham para proteger a família que poderia ser atacada.

Na cadeia o clima era tenso, os adversários políticos estavam apreensivos, e ao receberem a visita do promotor João Pacífico dos Santos, Cônego Benigno Lira e do Conselheiro Francisco Barbosa, a preocupação era a ausência do delegado, que não para um só instante na cadeia. 

Cônego Lira mais uma vez procura a viúva Ana Duperron, lembrando-lhe que seu dever como associada da Confraria do Sagrado Coração de Jesus era esquecer o desejo de vingança, porque nada provava que o crime do capitão Sales fazia parte de uma conspiração, fazendo a viúva e os parentes um juramento solene diante da imagem da Virgem Entronizada que não tomariam uma vingança antes de terem a certeza dos mandantes do crime. Cônego Lira ainda receberia em sua casa o tenente Meira Lima, fazendo a proposta de levar os refugiados para a casa paroquial, proposta que não foi aceita pelo delegado, que argumentou que os revoltosos poderiam invadir o local, que só na cadeia eles estariam protegidos. 

Entrementes, chega à casa da viúva o correligionário e inimigo da família Jardim, Agostinho Jorge da Costa. Cientificado da resolução da família de não tomar uma vingança, exaltou-se, declarando que os familiares eram uns covardes, que o sangue derramado de Júlio Brasileiro estava clamando por vingança, e que ele, Jorge Vaz, iria somente com seus homens vingar a morte do amigo, pois não se incomodava com a covardia do seu irmão e sobrinhos. Estas palavras reacenderam a cólera dos parentes de Júlio Brasileiro  e o plano foi arquitetado, chefiariam o ataque Antônio Rosa Filho, tenente Antônio Padilha, Doca Viana e Vicentão, tendo sido recomendado que só após se esgotarem os meios suasórios para rendição da guarda é que deveriam abrir fogo. Depois disso morresse quem morresse, não devia escapar nenhum adversário de Júlio Brasileiro. 

O Ataque a Cadeia 

Seriam 15h30min, quando a cadeia foi cercada pela fachada, laterais e fundos da cadeia. Eutíquio Brasileiro e Doca Viana postaram-se no oitão da Igreja Presbiteriana, aguardando os acontecimentos. 

Conforme instruções recebidas, Vicentão dirigiu-se ao comandante da guarda, Antônio Pedro de Souza, Cabo Cobrinha, e o intimou dizendo que, nada tendo o grupo contra a polícia e somente contra aqueles que estavam lá dentro, que se retirasse com os seus soldados, pois de outro modo morreriam.  Cabo Cobrinha respondeu ao capanga que aqueles cidadãos estavam sob a sua proteção e garantia e, além de não os entregar, somente com ele morto entrariam na cadeia, retrucando Vicentão que Cobrinha e os demais soldados eram moços de futuro e, além disto, pais de família e precisavam criar os filhos, portando abandonassem a posição. Corajosamente Cobrinha responde-lhe que acima de tudo estava no cumprimento do dever e que ali só entrariam passando por cima do seu cadáver. “Se entra ou não se entra nessa meleca?” vociferou Vicentão disparando o rifle contra o cabo Cobrinha, que antes de falecer revida o tiro atingindo o capanga Vicentão, que cai agonizando. 

Posto fora de combate o cabecilha do bando, assumi o comando do ataque o tenente Padilha. Travou-se então um cerrado tiroteio, resistindo valentemente dentro da cadeia o sargento Pedro Malta e os soldados, Ezequiel Cabral de Souza, Francisco Maciel Pinto, Pedro Antônio Dias e Manoel João de Oliveira, revidando ás descargas que vinham de fora. No tiroteio conseguiram escapar pelos fundos da cadeia Prisciliano Josué, chefe da estação em Glicério, o guarda sanitário Artur Pereira, o eletricista do Cinema Moderno Jesuíno Veras, o operador do mesmo cinema Zuza e o ex-sargento Araújo.

Atingidos mortalmente os soldados Ezequiel Cabral e Francisco Maciel, e gravemente feridos Antônio Dias e Manoel João, o sargento Pedro Malta conseguiu pelo escapar por um milagre da Providência empreendendo fuga em meio à cabroeira sem ser visto. 

No oitão da cadeia os sicários tentavam alcançar o óculo que ficava acima da janela do quarto onde estavam os adversários de Júlio Brasileiro, mas por ser muito alta só poderia ser alcançado por meio de uma escada, que foi fornecida pelo carcereiro José Rodrigues de Freitas, conhecido pelo apelido de Dudé, por ela subiu o capanga Caju depois de receber as ordens do tenente Padilha, e alvejou o capitão Júlio Miranda e Francisco Veloso, que tombaram sem vida. Os demais, armados de revolveres e pistolas que suas famílias enviaram ocultos nas bandejas com lanches, começaram a revidar os tiros. 

Argemiro Miranda deixando o compartimento partiu para enfrentar a horda, mas acabou sendo alvejado na porta da cadeia, onde tombou banhado em sangue, cena vista pelo seu filho menor Theotônio que estava escondido em uma das colunas da cadeia. 

Vencida a resistência, o grupo assassino parte para o quarto onde estavam os refugiados, depois de derrubada a porta, praticaram as maiores atrocidades, tiros de rifles a queima-roupa, esmagamentos de crânios a coice de rifles, saques, retalhamento dos corpos e decepamento de dedos. 

Luís Gonzaga Jardim, que minutos antes havia ido a cadeia confortar o tio Manoel Jardim foi cruelmente sangrado pelo facínora Jorge Vaz, aos gritos de mate-me logo, pelo amor de Deus. 

Cônego Benigno Lira ao escutar o som dos tiros vindos da cadeia, correu em direção a casa da viúva, encontrando na calçada o Juiz Abreu e Lima e o delegado Meira Lima, chamando-os para acompanhá-los a cadeia, os mesmos responderam que o padre não fizesse aquela loucura.

Cônego Lira prosseguiu com a imagem do Crucificado ao peito, próxima a cadeia se deparou com Eutíquio Brasileiro e Doca Viana, com as mãos na cabeça exclamou: - Para que fizeram uma miséria desta? Toma a palavra Eutíquio e lhe responde: - Padre, vá para casa e saiba que bala também fura couro de padre. 

Cônego Benigno Lira cabisbaixo seguiu para a cadeia onde deu a extrema unção aos mortos.

Na casa da viúva, Alfredo Viana, o Doca, dando conta da nefanda missão cumprida disse-lhe: - Pronto tia, agora pode chorar a morte do tio Júlio, pois já foi bem vingada. E dirigindo-se para a sala de jantar onde estavam alguns sicários, com eles bebe e dança um macabro sapateado. 

Ao todo entre soldados, políticos e capangas morreram dezesseis, sendo transportados os corpos dos capangas e Dr. Antônio Borba Júnior em uma carroça, tendo o carroceiro de parar em frente a casa da viúva para ela ter a certeza que as ordens foram cumpridas. 

Pouco tempo depois chegou o trem com o reforço policial trazendo vinte e dois soldados sob o comando do tenente Theophanes Torres, que durante o período que ocupou o cargo de delegado capturou vários criminosos envolvidos na Hecatombe de Garanhuns. 

O inquérito instalado pelo juiz José Ribeiro Pessoa, auxiliado pelos bacharéis Severino Tavares Pragana e João Paulo Nunes de Melo, agiram implacavelmente no indiciamento de vários envolvidos, principalmente os mandantes da chacina, porem, muitos foram despronunciados no Tribunal de Justiça, inclusive Ana Duperron Brasileiro, porém outros foram presos injustamente como o capitão Thomaz Maia e Domingos acusados de fornecerem querosene para que os sicários incendiassem as casas comerciais dos adversários políticos, provado que não estavam envolvidos no crime foram soltos em dezembro de 1917.

O tenente Antônio de Paula Pimentel Meira Lima teve como pena a perda do emprego de delegado. No ano seguinte no dia 29 de março de 1919 o juiz Abreu e Lima foi absolvido por unanimidade pelo Superior Tribunal de Justiça.

O capitão Francisco Sales Vila Nova foi julgado e absolvido no dia 12 de dezembro de 1917, sendo o seu advogado o Dr. Brito Alves. 

Julgamento da Hecatombe de Garanhuns

O julgamento dos implicados na Hecatombe de Garanhuns teve início no dia 27 de setembro de 1918 e teve a última sessão para a sentença no dia 19 de novembro de 1918. Formaram  Júri desembargador Argemiro Galvão, Presidente do Tribunal, tomando parte dos trabalhos os desembargadores Silva Rego, Austerliano de Castro, Samuel Martins, Santos Moreira e Belarmino Gondim. Representaram a acusação os doutores Brito Alves, advogado das viúvas e órfãos e o Procurador Geral do Estado Barreto Campelo.

Foram advogados de defesa dos implicados na Hecatombe, dos doutores: Hercílio de Souza, Manoel Henriques Wanderley, Severino Alves Barboza, Nestor Diógenes, Lourenço Castelo Branco, Mario de Souza, João Tavares e Oswaldo Lima. 

O Jornal A Província que circulou no dia 20 de novembro de 1918 publicou o resultado da sentença. 

“Capitão Eutíquio da Silva Brasileiro, condenado a 30 anos de prisão, em comum, contra o voto do desembargador Austerliano de Castro; Fausto de Araújo Galo, absolvido unanimemente; Álvaro Brasileiro Viana, absolvido unanimemente; Alfredo Brasileiro Viana, condenado a 30 anos de prisão, contra o voto do desembargador Austerliano de Castro; José Correia Paes da Rocha, condenado a 30 anos de prisão, unanimemente; Tenente Antônio Paula Meira Lima, condenado a perda do emprego que exerce contra o voto do desembargador Austerliano de Castro; Cezar de Medeiros Cavalcante, absolvido unanimemente; Tenente Antônio Padilha, condenado a 30 anos de prisão contra o voto dos desembargadores Belarmino Gondim e Austerliano de Castro; Sebastião Firmino da Silva, vulgo Pecó, condenado a 30 anos de prisão; Artur Pedrosa Vieira, condenado a 30 anos de prisão; José Rodrigues de Freitas, vulgo Dudé, absolvido; Antônio de Freitas Peixoto, condenado a 30 anos de prisão; Elesbão de Barros e Silva, absolvido; Minervino Vieira, absolvido; Leopoldino Barbosa de Amorim, vulgo Bolachão, absolvido contra os votos dos desembargadores Silva Rego e Samuel Martins; Manoel de Oliveira Dantas, condenado a 30 anos de prisão; Candido Julião Neves Arruda, absolvido; Joaquim Rodrigues da Silva, vulgo Pai d´Égua, condenado a 30 anos de prisão; Abílio Paes de Lira, condenado a 30 anos de prisão; Manoel Tavares de Arruda, absolvido; Martiniano Esteves dos Santos, condenado a 30 anos de prisão; José Bezerra da Silva, vulgo José Flor, condenado a 30 anos de prisão; Manoel Faustino de Carvalho, absolvido; Antonio Pedro Francisco, vulgo Molequinho, absolvido; Luiz de França Araújo, Calangro, absolvido; Pedro Felix Caradura, absolvido”.

Ana Duperron Brasileiro que foi despronunciada do processo faleceu na residência do seu neto, José Maria Brasileiro Viana, na cidade de Bom Conselho em 17 de junho de 1963. 

Fonte: Livro "A Cobertura Jornalística da Hecatombe de Garanhuns 1917" do professor, escritor e historiador José Cláudio Gonçalves de Lima / 2017 .

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