quarta-feira, 2 de agosto de 2023

A família Cipriano de Garanhuns

Roberto Almeida*

Garoto, morei seis anos na Rua XV de Novembro, na casa de número 314. Estudava no Colégio com o mesmo nome da rua, jogava bola, lia revistas em quadrinhos, assistia os programas de super heróis na televisão. Era inocente e feliz, sem saber que no Brasil existia ditadura, inflação, corrupção, nada disso.

Nós, os Almeida de Capoeiras, éramos vizinhos de uma família dessas que quase não existem mais. Pessoas boas, honestas, puras, sem maldade, que viviam do seu  trabalho, dedicando boa parte do seu tempo às orações, para louvar ao Senhor.

Manoel Cipriano, o chefe dessa família, era calmo, pacato, cordial e cidadão exemplar. A voz nunca se alterava e o seu exemplo de bondade se estendia pela casa toda, a rua, o bairro, a cidade de Garanhuns.

Ele, Manoel, trabalhava consertando relógios, inclusive era quem fazia a manutenção do relógio instalado no Palácio Celso Galvão, do prédio da Prefeitura.

Lídia Cipriano, a esposa, era tão simples e bondosa quanto o dono da casa. Até os olhos tinham uma expressão iluminada, como se quisesse transmitir o bem a cada criatura de passagem por esse mundo de turbulências.

Da minha casa, à hora das refeições, eu ouvia os  hinos belos que os Cipriano cantavam, agradecendo a Deus pelo pão, a saúde, a paz, o trabalho e mais um dia de harmonia naquela família garanhuense.

Manoel e Lídia tiveram muitos filhos. Todos seguiram o belo exemplo dos pais e nunca se ouviu na cidade em falatório envolvendo alguém dos  Cipriano.

Lena, que muitos chamavam também de Leni, ensinava numa escolinha de crianças. Se a memória não me trai, o nome do educandário era "Pequeno Guri". Sempre bem humorada, contente, tratando todos com respeito, amiga dos seus colegas de profissão e um doce de criatura com seus  vizinhos.

Na virada dos anos 60 para os 70, como tantos brasileiros, Lena lia José Mauro de Vasconcelos e se encantou especialmente com "Meu Pé de Laranja Lima".  Seu ídolo na música era o Rei, colecionava com carinho todos os discos de Roberto Carlos, vidrada especialmente na fase romântica do cantor de Cachoeira de Itapemirim. A fase das obras primas do artista, quando saíram de sua cabeça e do Erasmo músicas como A Distância, Se Eu Partir, Detalhes, Além do Horizonte, O Portão, dentre tantas.

Um dos filhos, Jair, que todo mundo chamava de Bito, alto e inteligente, era muito amigo do meu irmão mais velho, Eduardo, hoje juiz do trabalho em João Pessoa. Os dois ficavam conversando e ouvindo música clássica, através deles tomei conhecimento da existência  de Beethoven, Chopin, Mozart, Vivaldi e outros grandes compositores eruditos.

Outro da família, o professor Elon, foi meu mestre no Colégio Quinze. Tentava com a maior nos transmitir alguma coisa de Matemática e Geometria e  alguns adoravam, enquanto outros, como eu, já de pequeno demonstrava dificuldade com os números e vocação para as Ciências Humanas.

Quando meus irmãos foram estudar no Recife meus  pais alugaram a casa e fui convidado a morar com os Cipriano, para poder terminar no Colégio Quinze o último ano do antigo ginásio. Durante 12 meses convivi bem de perto com Seu Manoel, Dona Lídia, Lena, Lucy e Méida, os filhos que estavam em casa ou próximos.

Outros da família conheci mais  superficialmente. Nenuel, Neco, Davi... Legitimamente Cipriano, todos, fazendo jus aos ensinamentos do velho Manoel.

Bito foi morar em São Paulo, com sua esposa e numa das visitas a Garanhuns, na volta, sofreu um acidente e nos deixou mais cedo.

Manoel e Lídia deram adeus a Garanhuns e a este lado da vida quando eu morava no Recife, estudante, e nem pude vir à cidade para me despedir deles.

Estão ai os outros  filhos, como Lena e Lucy, carregando os mesmos bons sentimentos do passado, herdados dos pais, dois exemplos raros de integridade.

Lena não esquece meu aniversário, liga todo 19 de março. Consegue sempre me deixar emocionado com seu carinho. Às vezes encontro na cidade com a Lucy, outras vezes esbarro com Elon num supermercado do centro ou vou pessoalmente levar o jornal a sua casa. Eles três gostam muito do Correio Sete Colinas, acompanham a saga do jornal desde o início.

Felizmente, ainda existem pessoas boas, decentes, do bem, como os Cipriano de Garanhuns. Seu Manoel hoje dá nome a uma rua do bairro de Heliópolis, homenagem das mais justas. Essa família é ouro, é uma riqueza imensa plantada entre as sete colinas e que merece toda atenção por parte dos que vivem o dia a dia da Suíça Pernambucana.

À família Cipriano minha eterna gratidão por tudo que me ensinaram e todo meu carinho de filho e irmão.

*Jornalista, escritor e blogueiro (Texto transcrito do Jornal Correio Sete Colinas / Junho de 2011).

Foto: Manoel Cipriano.

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