sábado, 19 de agosto de 2023

A FALA DE AZO

José Alexandre Saraiva*

Li A Fala de Azo degustando cada uma das bem elaboradas sentenças atinentes à matemática existencial nele exposta pelo autor, a partir da visão quintessenciada do cosmo.

A obra nos remete a várias escolas filosóficas, desde os pré-socráticos, a exemplo de Parmênides (515-445, aC), que refuta a visão simplista ou opinativa do Universo, oriunda do senso comum e das aparências. Para esse arguto pensador, é erro vitando admitir que o conhecimento  se limita às convenções de linguagens criadas pelos humanos. Ele acrescenta que só  existe a “via da Verdade”.

A fala de Azo evidencia que essa Verdade é a Criação, e não o que simplesmente dela emana, compreendendo símbolos e expressões criados pelas “necessidades históricas do homem”. 

Detive-me demoradamente em cada uma das 100 páginas desse belo livro – pequeno fisicamente, mas grandioso no conteúdo, que é denso e despido de palavras vãs. Louve-se tão reflexiva abordagem do poeta, jornalista e escritor João Marques sobre temas sensíveis e complexos, como Razão, memória, distância e natureza. Não menos admirável é a distinção que ele faz entre inteligência universal e o alcance da mente humana. Como acentuado na obra, tudo emana de um princípio superior e inteligente, de uma Razão universal e intangível para cuja “expansão definitiva” não há explicação peremptória ou cabal. “Tudo existe pelo Amor”, que se renova constantemente  num processo harmonioso  de movimentos e combinações dentro de uma “cadeia de ressurgimento das coisas”. Daí porque, enfatiza João Marques, “do ser criado, todos os seres, múltiplos, saem mais seres”, não sendo concebível afirmar que o “espaço seja um depósito de objetos”.  

Como disse o atomista Demócrito, seguido por vultos eméritos da ciência e da filosofia, no decorrer da história, o homem inventa códigos para designar coisas visíveis ou conhecidas. O autor de A fala de Azo antecipou-se a essa rotina milenar: a seu modo, espontânea e naturalmente, conheceu primeiro a razão de ser das “coisas” – ou de muitas delas, valorizando o sentido delas e não a aparência. João Marques teve um aprendizado precoce, puro e repleto de levezas. Seu dom de elevar-se na “compreensão” das coisas encontra-se plenamente explicitado na última parte do livro.

O capítulo intitulado A história de Azo fornece embasamento fidedigno às suas meditações sobre o Todo universal. Até o término de sua primeira infância, o autor morou num sítio com os pais, agricultores modestos. 

Lá, antes de conhecer palavras escritas, aprendeu o significado de “contentamento” quando subia e descia ladeiras e árvores; de “superação”, ao pular poças d’água para não molhar os pés; de “simplicidade”, ao testemunhar pessoas saindo do mato para a cidade e dela retornando; de “fascinação”, ao contemplar a luz do sol refletida no verde viçoso da folha no alto do cajueiro.

 Quando ele se muda com a família para a cidade, onde há bolas de luz atrás das casas altas, vê um trem soltando fumaça no caminho e conclui que aquela máquina é tão “valente” quanto o carro de boi que transporta a família e o mobiliário, rangendo as rodas de aço sobre o eixo de madeira.  

Fico a imaginar uma banca examinadora composta por pensadores do nível de Parmênides, Demócrito, Heráclito, Aristóteles,  Zenão, Platão, Sócrates, Epicuro e Marco Aurélio. Em meio às inquirições, um deles pergunta a João Marques: - “De onde você tirou essas meditações?” A resposta do ilustrado filho de Garanhuns certamente não fugiria muito desta: "Eu não tirei nada de lugar algum. É a parte que coube na mochila quando saí do sítio. Apenas a revesti  com palavras novas que me passaram na escola e na avenida.” 

*Advogado, músico e escritor.

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