segunda-feira, 17 de junho de 2024

Povoado de São Pedro da Matinha

Anchieta Gueiros - História de Garanhuns e do Agreste

A primeira notícia nos jornais de Garanhuns, sobre São Pedro da Matinha, está inserido no jornal  "O Sertão" de 10 de novembro de 1912 em  que se toma conhecimento de que o Prefeito do município - Júlio Brasileiro, requereu ao DNOCS "um estudo preliminar à construção de um açude, naquele povoado". Resultante de  uma inspeção realizada, por aquele Órgão Federal, vem a informação de que não há condições técnicas para tal empreendimento.

O jornal "O Imparcial" de 14 de julho de 1923 dizia em suas colunas - "Festa de São Pedro. A tradicional festa de São Pedro, no povoado do mesmo nome, teve a presença de Mons. Callou que celebrou, pela manhã, uma missa. Prosseguindo nas festividades, ao meio dia, houve uma salva de 21 tiros e, à tarde, uma  retreta abrilhantada pela Banda Independente".

São Pedro em 1923/1924 possuía uma rua principal, com cerca de 30 a 40 casas, duas ruas laterais e algumas meias-águas espalhadas pelas vizinhanças. Na estrada do povoado, vindo de Garanhuns, do lado esquerdo, uma capela e, no terminal da rua principal um pequeno pontilhão sobre um riacho. Por aí, passavam obrigatoriamente, os que iam de Garanhuns para São Bento. Era uma região de pequena pecuária leiteira e estava incluída no rol das fornecedoras de leite "in natura" à cidade serrana.

Naquela época o leite era conduzido em vasilhames de  20 e 25 litros, na cabeça, por carregadores (leiteiros), que iam de São Pedro a Garanhuns, a pé, saindo dos currais sempre de madrugada.

Localizado ao sopé do Magano, São Pedro não apresenta o problema de inverno rigoroso, nem chuvas intermitentes, sendo, pelo contrário, possuído de um clima agradável e até, na época invernosa, as chuvas são escassas. Distante de Garanhuns cerca de 15 km. Estava ali, um local ideal para a gente fugir dos meses friorentos da terra de Simôa Gomes. Ainda a conveniência de se poder tomar leite, pela manhã, ao "pé da vaca". Não ficavam aí os benefícios, havia outros, como "o campo" para o lazer da meninada, o "calor" e o sol, permitindo que as mamães dessem folga aos "ferros de engomar".

Em busca dessas vantagens, conhecidas por parte de  meu avô que, inclusive ali dispunha de inúmeros amigos e, até parentes, seguimos, no mês de junho (1924) ao se iniciarem as férias escolares, para a Vila de São Pedro, ficando hospedados na casa do Sr. Chico. No ano seguinte, retorno à Vila, para  uma casa própria construída pelo velho Bimbe (construiu duas casas, uma para ele, outra para o filho). Seguindo o exemplo do tio Tororó, Luís Burgos fez, igualmente a sua moradia e outros garanhuenses iniciaram a construção de casas para veraneio.

O Povoado, nas férias de junho, alojava, além da família Silva Rêgo, os familiares de Luís Burgos Filho, Tomaz Maia (fazendeiro da região) os Teles, os Noronhas Branco (Lula e demais manos), os Schettini e outros da boa terra, em procura de calor e lazer.

Aos domingos, na falta de vigário, a minha avó Cecília e outras senhoras organizavam-se para rezar o "terço". Recordo-me de Regina, Palmira, Irene, Esther, Marieta Teles, Maria Galvão, preenchendo o vácuo da missa domingueira, no Povoado. E a meninada se soltava nas campinas para caçar passarinhos com baladeiras ou se entreter num pequeno campo de futebol para pelada ou então, soltar "papagaios" e outras estripulias. As mamães descansavam mais, pois não havia necessidade de ferro de engomar para enxugar a roupa da criançada miúda. O sol aparecia, todo dia, e fazia tal tarefa. Os comerciantes e empregados partiam cedo rumo à cidade serrana, onde exerciam as suas atividades, alguns de carona nos carros de amigos, outros nas "boleias" e até mesmo em cima da carroceria de caminhões - estes veículos transportavam pedra para calçamento, extraídas de umas pedreiras próximas, e passavam o dia trafegando. Nos dias de  feira, em Garanhuns, a matutada ia de carro de boi, a cavalo e até mesmo a pé. Uma vez topei a parada na "garupa" de  um cavalo, com o Sr. Chico. De volta achei melhor usar as "minhas patas".

Os pacatos domingos do Povoado estavam-se tornando dias alegres e festivos. Ora uma "buchada" em casa de um amigo fazendeiro e todo mundo ia para lá, ou a matança de um carneiro gordo. A freguesia não faltava. Bastava correr o boato. De noite, mesmo com luz de candeeiro a gás ou lamparina, sempre aparecia um sanfoneiro e fim de abrilhantar os  "assustados", quando não, os "ensaios de quadrilha", "à revoir ... avancé"...

Nas vésperas dos santos festeiros a garotada ia cuidar de soltar balão, bombas, traques, etc. A brincadeira predileta era colocar bomba - depois de acender o pavio, debaixo de cuias ou latas velhas e esperar o "pipocar". Ou então, acender o pavio da bomba e tentar, imediatamente, jogá-la no ar. Numa de tais brincadeiras, Manoel Teles um dos companheiros de "folguedos", tentou pegar uma bomba que caíra no chão, sem ter explodido e, sem esperar, ela estourou em sua mão.

Em 1927, salvo engano, foi organizada uma "Comissão de Festa" para os festejos de São Pedro, no povoado do mesmo nome. Ficou logo estabelecido que o "baile caipira" seria na Fazenda de Zé Lulú, que ficava próximo à Vila. Havia que  se providenciar a arrecadação de dinheiro, porcos, perus, carneiros, além de utensílios tais como - pratos, talheres, etc.

Independente de festa coletiva, as famílias da Vila estavam a cuidar de cevar seus perus, destinados ao almoço dos  familiares e convidados que nunca faltavam. A família Maia, tradicionalmente, conhecida como acolhedora para supimpos almoços, também estava a tratar dos seus galináceos. D. Mariquinha, esposa do Capitão Tomaz Maia, tinha imenso prazer em  "engordar" seus perus. E, não fugindo ao passado, neste ano, mantinha no quintal uns 3 a 4 bichos de penas que estavam a  deixar os famigerados da vila de "boca cheia d'água". E o pessoal da Comissão Organizadora, teve que tomar conhecimento de tal "manjar galináceo".

Na antevéspera do dia de São Pedro, algumas pessoas... resolveram fazer um assustado ao Capitão Tomaz Maia. Invadida a residência - 8 ou 9 horas da noite, homens e mulheres acompanhados de um "sanfoneiro" começaram a dançar e a pedir bebida, etc. Todo mundo (residentes) veio para o "sereno". Enquanto durou o "assustado" um grupo de rapazes penetrou no quintal e iniciou o trabalho de não "assustar" os galináceos. Somente no dia imediato é que houve o alarme do desaparecimento de tais "prendas". Comentários, os mais variados. 

À noite, na fazenda de Zé Lulú, véspera de São Pedro, a grande festa. 

Estava o Povoado de São Pedro tornando-se refúgio de famílias garanhuenses na época invernosa na Cidade Serrana. Mas, havia um grande problema. Falta d'água de beber. Esta vinha da Serra Branca (Garanhuns), em ancoretas, no lombo de animais (foto). Porém, nem todo mundo podia comprar. Qual a solução para o abastecimento do precioso líquido no povoado? A construção de um pequeno açude ou a abertura de uma cacimba resolveria o problema. Partindo, desse raciocínio, Otávio Alves da Silva Rêgo, com recursos próprios, tomou a iniciativa da abertura de um poço, tentando obter água potável. Dois homens trabalharam durante vários meses na  escavação de uma cacimba, usando até explosivos. Não sei quantos metros em profundidade foram cavados. Mas, tal intento não teve êxito. Desistiu, então, o velho Bimbe, do seu sonho. Ficou somente configurada a sua boa vontade em procurar ajudar ao povo da terra. A mencionada cacimba ficava ao lado esquerdo da estrada Garanhuns/São Pedro.

O povoado de São Pedro da Matinha teve, por muitos anos, o nome de Itacatu. Por ato do Sr. Governador do Estado, Roberto Magalhães Melo (Lei 9.281 de 21 de junho de 1983, de autoria do então deputado Ivo Tinô do Amaral) o Distrito retorna à denominação antiga de São Pedro.

Dos comerciantes e fazendeiros dos idos e vividos anos, tem-se: residindo numa esquina, da rua principal, Joaquim Ferreira da Silva, proprietário de uma bodega, em que a gente encontrava o gás, a farinha, o feijão, charque, linha de costura, etc. A família constava da esposa Mariana e os filhos: Auta Ferreira desposada por Pedro Almeida Nascimento, Ramiro (Miro), servidor do Detran e uma dezena de descentes, Amália (Lalú), Argemiro, Eurídice. Entre os fazendeiros: José Luís Miranda de Lima (Zé Lulú), possuidor da Fazenda São Pedro, cujo filho Antônio Miranda de Lima ocupou o cargo de Tabelião Público do registro Civil, casado com Laurinda Silvestre (Lalá), e a seguinte prole - Maria Luiza, José Luís (médico) e Laise. Antônio era um dos companheiros das folganças, conjuntamente, com Manoel, José Teles e Pedro Maia, outros moradores da Vila de São Pedro. Há a anotar ainda, entre os agricultores - Henrique Teles Furtado e consorte Maria Josefina Peixoto e os filhos: - Marieta Teles e conjugue Edgar Santos, Palmira, Irene, Regina, Maria Emília (Sinhá), Alice, João e Henrique, residentes na Fazenda Canhoto. 

Fonte: Os Aldeões de Garanhuns / Alberto da Silva Rêgo / 1987 / Coleção Tempo Municipal - Centro de Estudos de História Municipal. Acervo: Memorial Ulisses Viana de Barros Neto

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