No dia 8 de janeiro, um automóvel foi buscar-me em São Pedro, para empregar-me, no Recife, no Pátio do Terço, numa mercearia de José Rodrigues. Caiu por terra os meus sonhos. Embarquei, no dia seguinte, recebendo, porém, do Padre Godói, um cartão que, de certo modo, me confortou, embora houvesse nele uma frase dúbia. No Recife, dando o balanço na mercearia do Capitão Pedro Rodrigues, passaria para o filho, adoeci. Julguei que chegara a minha vez. Confortado pelo carinho com que fui tratado por Pedro Rodrigues, guardo dele um reconhecimento profundo. Cinco dias depois, José Rodrigues vende a mercearia. Deus me ajudava.
Voltei, em 16 de janeiro, para Garanhuns. Nova desilusão: Padre Godói tinha ido ser vigário de Barreiros. Fui, então para São Pedro. Lá, no dia 14 de fevereiro, sábado, chega um bilhete de Arlinda, avisando que Padre Godói voltara de Barreiros e tinha sido nomeado Reitor do Seminário! Também, que ele tinha falado com D. Paiva e ele queria ver-me. Fui imediatamente, na madrugada do dia seguinte. Falei com D. Paiva, logo no outro dia, segunda-feira de carnaval, 16 de fevereiro. Estava tudo arranjado. Tudo dependia de mim! Deu-me a entender que eu iria ajudar o Padre Godói. Fiquei meio entristecido, porque ele não me falou claramente que eu iria ser seminarista. Mas, depois, compreendi que, primeiro, eu deveria ser observado.
O carnaval me fez sofrer: tanta tristeza contrastando com a alegria lá de fora! Padre Godói mandou avisar que eu já podia ir! Mandei deitar abaixo a minha cabeleira, da qual tanto me envaidecia; o barbeiro pediu que eu não fizesse isso, mas, sem dizer o motivo, insisti. Tarcísio manda dizer que eu iria ficar na Sibéria (dormitório dos seminaristas, no 1º andar). Encerro, amanhã, uma vida e iniciarei uma outra bem diferente! Sinto uma certa apreensão: saberei corresponder? Amanhã, passarei para a outra margem, deixando, para sempre, esta margem em que, durante tantos anos, vivi uma vida de sonhos e ilusões, de trabalhos e de dores, de erros e de graças não correspondidas! Uma vida que vivi, no dizer de Camões, "naquele engano d'alma ledo e cego! "Minha mãe, me ensinou as primeiras letras e me ensinou, também, a rezar, ensinou-me, entre outras orações, a Salve Rainha. É impressionante a piedade com que ela reza essas orações. E é essa a oração que, nesta decisiva da minha vida, quero rezar, pedindo, porém, à Virgem Santíssima que a escute como se fosse ela que estivesse rezando: Salve, Rainha, Mãe de Misericórdia, vida doçura e esperança nossa, salve! A vós bradamos os degredados filhos de Eva! A vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas! Eia, pois, advogada nossa, estes vossos olhos misericordiosos a nós volvei! E, depois deste desterro, mostrai-nos Jesus, bendito fruto do vosso ventre, ó clemente, ó piedosa, ó doce Virgem Maria! Rogai por nós, santa Mãe de Deus, para que sejamos dignos das promessas de Cristo! Amém.
Fonte: O Diocesano de Garanhuns e Monsenhor Adelmar de Corpo e Alma / Manoel Neto Teixeira /1994.
Fotos: (1) - Monsenhor Pedro Magno Godói. (2) - Dom Manuel Antônio de Paiva - 2º Bispo de Garanhuns: 8/12/1929 a 19/05/1937.
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