domingo, 16 de junho de 2024

Memórias do Monsenhor Adelmar Valença - Parte IV

Abílio Camilo Valença e a Sra. Emília da Mota Valença

Em 1920, o Ginásio passou a funcionar no novo prédio, no alto da Rotunda. Continuamos como bons alunos. Tivemos um ótimo professor, D. Hildebrando Schaefer. Era um subdiácono beneditino, alemão, que sabia tudo e nos dava um permanente exemplo de mortificação e santidade. Em junho, com o nascimento de Abgar e Abigail, minha mãe esteve à morte. De madrugada, meu pai mandou que  Agobar e eu fôssemos à rua do Açude, chamar a parteira, D. Custódia. Acordamos Sinhá Cirina, nessa rua, e, com ela, fomos à casa da parteira. No quintal de nossa casa, chorando, eu ouvia os gemidos de minha mãe.  No mesmo dia, o Cônego Durval os batizou e disse: "Nenhum dos dois vai se criar!" 

No Ginásio, no fim do ano, novos prêmios e, no palco, recitei a poesia "Ò Père, qu'adore mon père!". A 24 de janeiro de 1921, passei pela grande dor da saída de Agobar para o Seminário de Olinda, onde, no dia seguinte, vestiu batina. Éramos muito unidos. Como admirava a sua resistência às conversas más dos  colegas! Um dia , retirou-se, corajosamente, do meio deles! Também fui convidado por Dom Moura para o Seminário. A minha timidez deu o não. Queria ser engenheiro! Porém, nas sextas-feiras da Semana Santa, às 3 horas da tarde, um dos três pedidos era pela ordenação de Agobar e a minha, também... Fiquei no lugar dele, como acólito do Santo Sofia. Nas missas, mudando o missal, escorreguei, na vista das internas, duas vezes. Felizmente era proibido olhar para trás, pois ficava vermelho de raiva e de vergonha. Padre Antero era o capelão e, um dia, reclamou o meu latim, dizendo que era falta de fé. Respondi que era falta de dentes. Mas não era nem falta de fé, nem falta de dentes, era descuido. No fim do mês, a superiora, Madre Elisabete, me dava 5$000, num envelope, com estas palavras: "O mês do menino".  Dinheirinho que dava bem para meus cinemas, com aquelas fitas em séria, acompanhadas ao piano. 

Um dia, indo ajudar a missa, Padre Antero disse que eu estava com cheiro de cozinha. Era verdade: para que eu fosse limpinho, minha mãe, no inverno, lavava minha roupa branca e enxugavam na beira do fogo! E eu  ia com aquela roupa que podia ter o cheiro de cozinha, mas era limpa e alva como a alma de minha mãe! Na Catedral, ajudava nas missas de D. Moura, aos domingos. Um dia, mudando o missal, escorreguei nos cincos degraus do altar; logo depois, na hora em que levei a água para ele lavar as mãos, quando esperava que ele passasse um carão pela minha falta de cuidado, ele disse, sorrindo: "Você andou beijando o chão?". Por ser acólito, eu tinha liberdade para ir à torre; e ia sempre, olhar tudo por aquelas janelinhas. Um dia , emprestaram-me um monóculo de marinheiro; sempre que  eu podia, eu subia e, com ele, trazia para junto de mim as paisagens, as casas, as pessoas. Subi, uma vez, por trás, enfrentando a ventania, e toquei na cabeça da imagem de Santo Antônio! Usava calças curtas, quando não era  a calça da farda. Disseram que minhas pernas eram bonitas; peguei, então, uma bengalinha, botei o chapéu e fui fazer pose na calçada do cinema, à noite, como faziam os rapazes, mas ninguém me deu atenção. Foi a última calça curta que vesti, a última bengala que usei, a última pose que fiz! Por esse tempo, já mostrava a minha altivez: insultado por um colega mais velho e mais alto do que eu, retribui o insulto; levei uns empurrões e, como não podia fazer nada, disse uma frase de Camões: "É fraqueza entre ovelhas ser leão!" No fim do ano, representei num drama intitulado "Sherloch Holmes. Fonte: O Diocesano de Garanhuns e Monsenhor Adelmar de Corpo e Alma de Manoel Neto Teixeira.

Foto: 31 de julho de 1965 - Comemoração dos 70 anos de casamento do Sr. Abílio Camilo Valença e a Sra. Emília da Mota Valença,  pais do Padre Adelmar da Mota Valença.

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