sábado, 8 de junho de 2024

euHerói - Capítulo 6


João Marques* | Garanhuns

Do contentamento de Eloim pela façanha da fuga das mãos da polícia

Eloim se orgulha de estar livre. Lembra-se da aventura e faz da sua história um conto fantástico. Fortalece-se no idealismo. E anda com passos maiores, garboso e sorridente. O cemitério fez-lhe bem. Mais que faz benefícios ao ser humano um jardim. A vitória, pela forma que se deu, possibilitando a fuga, foi promocional. Uma fuga, também, na vida difícil. Eloim não se embaraça com nada. Além da queixa que conserva do cunhado, Nicolau, amante de Helena, tudo espera.

Candidata-se a presidente da União dos Estudantes. Atua no meio e se mete em muitas confusões. Faz discursos criticando o capitalismo e defendendo a igualdade, a participação de todos na riqueza. E, sobretudo, tem de sobra o bom humor jovem. Ridículo, se não fosse pela pouca idade e pela inexperiência. Para ele e seus companheiros, tudo é motivo de alegria. Na fase por que passa, da vida, há sempre contrariedades. Problemas graves, mas o vigor da juventude e a espera intensa pelo futuro de mudanças superam tudo. Animado, procura nivelar-se aos amigos, embora em condições humildes. Rir, contar piadas, brincar e se enturmar.

Cinco amigos, rapazes e moças juntos, fecham uma roda parto da sorveteria. Venho e, vendo Eloim, entro no círculo humano. Um deles faz imitações engraçadas. Relembra os defeitos do modo de ser dos outros. Muitos estudantes são vistos no setor. Jovens, apenas, são frequentadores desse canto da Avenida. Sorvete e praça de reunião, onde é sempre manhã. A imitação faz cenas dos jovens mais conhecidos, principalmente. Encenação de Eloim gesticulando, enquanto fala, e pondo a mão sobre a cabeça ou, distraidamente, coçando a bunda. De mim, sai na imitação o hábito de, enquanto escuto, quedar a cabeça para um lado. E, como na arte, tudo é exagerado, o gaiato quase abaixa todo o corpo para um lado. O filme bom que passou, a trapalhada que alguém causou, tudo é notório e fica na crônica livre dos moços.

Começa a aparecer uma mulher muito bonita passeando. Formas perfeitas, cabelos negros e estirados. De estatura média e usando sapatos altos. Vem e volta, rebolando e chamando a atenção de todo o mundo. Bem vestida, com saia estreita, exibindo as curvas femininas, e com a liberdade de se mostrar como quer. Não obstante isso, de vez em quando o marido ao lado, de braços dados. Sujeito de baixa estatura, vem sério e com ares de militar. O Almirante, dizem os jovens, quando passa de par com ela. É descoberta a sua procedência, logo que começa a aparecer na manhã. É homem importante. E todos, Eloim e seus companheiros, ao verem a cena, dizem uns aos outros: É o Almirante! Os olhares entretanto acompanham a mulher. Atraente, o andar sensual das pernas femininas. A mulher do Almirante!... e, entre interjeições e gritinhos, riem sem que o casal note. Torna-se motivo de entretenimento e de farta dosagem de humor. Afinal, a paisagem é mais colorida e instigante. Outras mulheres passam costumeiramente, menos provocantes, porém bonitas.

A passarela de mulheres dá à Avenida mais coloração e elegância. Muitas vezes, as saias coladas, ajudando a exibir as formas e os movimentos femininos. Eloim acompanha, deslumbrado, as pernas que sobem os degraus das calçadas. A cada passo de soerguimento, é projetado um novo ângulo de sensualidade. Assim, é a Avenida dos olhos atentos e ávidos pelo prazer do sexo. Os jovens são coerentes ao respeito e aos bons costumes. Ninguém dirige qualquer palavra às mulheres. Elas, entretanto, notam que vão sendo observadas. A mulher do Almirante, se acaso vê o que acontece, e acompanhada pelo marido, empina mais a bunda e capricha no rebolado. Misses que desfilam na Avenida aberta, pelo teatro da vida.

*João Marques dos Santos, natural de Garanhuns, onde sempre residiu, é poeta, contista, cronista e compositor.  Teve diversas funções nas atividades culturais da cidade: foi Presidente da Academia de Letras de Garanhuns, durante 18 anos, Diretor de Cultura do Município e, atualmente, é presidente da Academia dos Amigos de Garanhuns - AMIGA. Compôs, letra e música, o Hino de Garanhuns. Mantém, desde 1995, o jornal de cultura O Século. Publicou quatro livros de poesia: Temas de Garanhuns, Partições do Silêncio, Messes do azul e Barro.

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